Em destaque:

No portão:

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Da minha janela:

Da minha janela vejo:
O trem passando
Seu diesel queimando
Pessoas passando
Pessoas ficando
Mato crescendo
Mato queimando
Barraco levantando
Barraco queimando
Eles vendendo
Aqueles comprando
Os mesmos queimando
E ainda ficando
Ficando mais
Suas almas queimando
Tudo se acabando
Trem passando
Pessoas queimando
Eles vendendo
Tudo continuando...


Nino Srat


Da série Terra das Pedras: texto 3.

sábado, 21 de novembro de 2015

Vagalumes:

Brilho brilho escuro escuro
Acende apaga acende brilha
Luz amarela luz laranja
Vaga lume brilha verde
Vaga lume aqui não é
Vaga lume isso não é
Mas brilha brilha na noite
Acende apaga acende no mato
Luz escuro luz escuro
Se vaga lume não é
Vaga lume não pode ser
Então esse brilho bilho
Essa luz acende apaga
No meio do mato
Na linha do trem
Na noite escura
Não sendo vaga lume
O que é que é?


 Nino Srat

Da série Terra das Pedras, texto 2.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Pedras no trilho, vidas na pedra:

Nos trilhos da linha, passa o trem,
e as pedras suportam o seu peso.
Nos mesmos trilhos, muitas vidas,
que não suportam o peso da pedra.
O trem passa seguindo seu rumo,
seja em que direção for, ele chega.
As vidas que ali ficam, perdidas,
perderam o rumo por pura ilusão.
O trem faz força, apita, passa,
lentamente segue com sua carga.
As vidas ali, fazem silêncio,
E rapidamente perdem as forças.
O trem desaparece no horizonte,
mas logo depois ele voltará.
As vidas na pedra,essas ali ficam,
mas em pouco tempo, sumirão.
Nos trilhos da linha, passa o trem,
e quando passa, chama atenção.
No mesmo trilho as muitas vidas,
evocam em poucos alguma emoção.

E o trem se vai nos trilhos,
suportado pelas pedras.
E as vidas se esvaem nos trilhos,
destroçadas pela pedra.


Nino Srat


Da série Terra das Pedras: texto 1.



segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O dia em que vi F. :





Era um dia anormal. Não estava em minha cidade, não estava a passeio. Estava matando as horas não fazendo nada, rodando na maior cidade do país apenas porque não queria viajar antes das 22 horas. Eram somente 17 horas. E aproveitava isso em uma grande e famosa livraria dessa cidade: folheava livros, ouvia músicas, observava as pessoas, tirava um cochilo. As opções para mim naquela cidade haviam se exaurido na hora anterior, e eu lutava contra uma febre.

Vi então um burburinho se formando na livraria. Era a chegada de algum autor famoso que vinha autografar um livro recente. Acontecia muito isso naquela livraria. Metade dos clientes se levantou e se dirigiu ao andar de cima. A outra metade ficou alheia a sua presença. Uns fingiram ignorar a existência dele... Já eu precisava matar o tempo, e resolvi ver quem era. 

Os clientes que subiam atrás do autor iam pela ladeira principal, e logo a congestionaram. Eu, já andarilho daquela livraria, busquei a escada de acesso do canto e me vi, surpreso, com o caminho livre para a entrada principal. Havia uma quantidade inesperada de fotógrafos, o que me fez indagar quem era o autor. Não era a primeira vez que assistia um acontecimento desses, mas não lembrava de ter visto tantos assim pra outros autores.

Como vi que o acesso à entrada principal estava vazio, me adiantei e tomei o lugar na grade da escada, no sentido inverso a quem passava, e me senti como se num camarote privilegiado para receber a celebridade. Lamento até agora o fato de não ter pensado em tirar uma foto, embora na hora minha preocupação fosse poupar a bateria do celular. Me ajeitei então sozinho naquele espaço à espera do famoso autor.

A multidão de seguranças e fotógrafos cercando o autor me assustava enquanto minha curiosidade sobre sua identidade aumentava. Foi então que ele apareceu: de cabelos brancos, alto, com o famoso óculos que eu sempre lembrava de ver ele usando na TV (e ele aparece muitas vezes nela), velho - embora não parecesse tanto ter a idade que eu sei que ele tem, sorridente. Era F. - o ex-presidente.

Não esperava que fosse ele, e me peguei sem reação. Não defendo suas opiniões políticas nem sou favorável a seu partido - pelo contrario, sou ferrenho inimigo de ambos - mas o momento ali pedia um mínimo de solenidade. Portanto passou longe da minha cabeça fazer qualquer algazarra ou mesmo um mínimo comentário contra sua pessoa. Na verdade, por meros segundos, fui tentado a ir até ele e tentar apertar sua mão. Missão impossível de se realizar com aquela multidão de guarda costas e fotografos, a não ser que eu comprasse um livro dele para autografar... a solenidade não pedia tanto. Preferi me manter na minha posição confortável, à distância.

E logo perdi o interesse na pessoa dele. É o efeito ex-alguma coisa: se é ex, perde parte (às vezes toda) da importância e notoriedade que antes possuía. Normal. E como eu não era um de seus admiradores, mais normal ainda. Minha mente então começava a divagar e buscar alguma outra coisa para fazer  e matar tempo fora dali, quando um momento muito curto, inusitado,ocorreu: F. se virou e e olhou na minha direção. Cruzou o olhar dele com o meu.

Qual minha reação? Continuei divagando enquanto olhava seus olhos claros fitando os meus. Ainda lembro que por um segundo ou dois ele me olhou. E eu, impávido. Quieto. Parado. Nem pisquei. Ele então se virou e foi dar atenção aos fotografos e reporteres que ali estavam. Estes, ignoraram a cena ocorrida entre mim e ele. E até aquele momento, eu também ignorava.

Minutos depois, estranhava o fato. Não sei o que se passou na cabeça dele ao me encarar, mas não saía da minha cabeça a idéia de que talvez, naquela noite, ele possa ter chegado em casa e de repente lembrado do rapaz estranho que o encarava do alto da escada. Juro que minha divagação parava por aí. Já era estranho demais pensar nisso. Curioso era o fato de que, apesar de todos os repórteres e seguranças, eu e F. agimos como seres humanos absolutamente normais, se encarando e reconhecendo um ao outro como nada além de pessoas que estava passando por ali. Eu não era nada de mais. Ele já não tinha nada de mais. 

Passado esse breve momento, me retirei da livraria e fui em direção à rua. Lá, vários transeuntes, alheios à minha existência, à existência de F., alheios à vida dos outros a seu redor... algo padrão em qualquer centro de cidade grande. Triste e solitário, mas que naquele momento me fez um certo bem de sentir...


J2ML  












Anestesia:



Pronto.

Passou diante dos meus olhos e foi como se a seringa tivesse sido instantaneamente injetada na minha medula. Não tive reação alguma. Não senti o impacto, o corte. Sei que algo assim ocorreu, mas não o senti. Não chorei, não gritei...

Sedado.

Nada sinto. Devaneio. Viajo. Meu corpo, minha mente, meus sentidos, deixaram de lado qualquer tentativa de sentir, de agir, de impedir ou repelir a dor ou aquilo que a causa. Agora a unica sensação é a de um longo sonho... 

Estupor.

A ferida está ali. Eu bem sei. E é grave: Pode ser necessário arrancar, pode se curar, pode me matar... O estado de dormência, no entanto, ainda me permite ignorá-la. Ele lentamente irá se desfazer; isso eu também sei... e a dor virá. Forte, profunda... 

Mas agora, só quero me iludir um pouco mais com essa dormência...


J2ML 


Escrito em: 16/09/2015






domingo, 20 de setembro de 2015

A Cidade e a Solidão:




Eu odiava São Paulo.

Achava uma cidade fria, cinza, lotada e parada devido a seus engarrafamentos de distâncias quebradoras de recordes. Suja por seus moradores em seus muitos carros, seu metrô desconexo, cheio de ramais e conexões sem linhas retas ou circulares, como se houvessem veias em uma ameba. Sua população workahólica que tinha o rei na barriga, que achava que bancava o resto do país - como se não o sugasse ao mesmo tempo - e que deveria ser o condutor politico da nação: Non ducor, duco.

Aí visitei São Paulo pela primeira vez...

E minha visão sobre a cidade mudou. Foi a primeira vez em uma metrópole. Uma de verdade (Rio de Janeiro tem uma geografia que reduz essa sensação de espaço urbano tomado). O mar de prédios, que antes me assustava, me fascinou. O cinza foi substituído pela cor dos prédios, o verde das arvores - extremamente necessárias e em boa quantidade - e as imagens dos grafites em muitas de suas paredes. Suja era, mas bem menos do que eu achava. O metrô, esse sim era um metrô de verdade. Essencial para meus passeios. Ia em muitos lugares, e dava até gosto de me perder nele (o metrô de Sampa merece um text só pra ele. Ainda vou fazer isso). A população... bem, ainda era workaholica, em sua maioria. E ainda tinha parte daquelas crenças que citei no inicio, mas parecia mais aberta e simpática: as pessoas pelo menos se encaram... E é uma população vasta. Vários tipos, grupos, bandos, culturas. Dá pra apreciar a diversidade. Claro, sabendo onde se pisa, com quem se fala, ou não fala, etc.




São Paulo me cativou.





Não. Morar lá, jamais. Prefiro assim: apreciação à distância, em doses homeopáticas, algumas vezes por ano. E é assim que vou descobrindo, redescobrindo e apreciando a maior cidade do Brasil. A cada visita, uma novidade: A Paulista, artéria econômica e cultural (ou assim parece), viva de pessoas quase o dia todo, indo e vindo para tudo que é lado, em todo tipo de afazeres: estudantes, trabalhadores, modelos, empresários, artistas famosos, artistas de rua, mendigos, socialites, turistas. Em seguida a Augusta, rua dos prazeres, desde o permitido e necessário happy hour até os proibidos e moralmente duvidosos conforme se desce a rua. A Sé, parte do centro histórico que se estende até um pouco além do viaduto do chá. A Luz, com sua estação de trem memorial, hoje Museu da Língua Portuguesa - em que tive o prazer de levar meu pai, professor de português.

A cada visita uma nova sensação: no shopping na Faria Lima, onde entrei e pela primeira vez tive a sensação - horrível - de estar sendo medido de cima a baixo pelas pessoas: não era meu lugar e por isso era ainda mais legal estar ali. A feira de antiguidades embaixo do Masp (ou caixa de fósforo gigante, como chama um amigo meu), naquele imenso vão com uma vista boa para a cidade. O Trianom de manhã cedo, com as pessoas fazendo Cooper na área verde compactada em meio a prédios altos. Os casarões de São Paulo, de décadas passadas, ainda de pé, resistindo ao progresso.
O bairro japonês da Liberdade - ah, como adoro - onde sempre paro para almoçar alguma comida oriental. A USP, um tanto quanto isolada no meio da cidade. Congonhas, um aeroporto que assusta pela proximidade entre a pista de voo e a avenida...





E o povo... é muita gente pra definir. Tem de tudo. Tudo mesmo (especialmente se você frequenta a Augusta). Mas o que me intrigava era ter ouvido uma vez que o Paulistano é solitário. Em meio de 8 milhões (ou mais) de habitantes, dá pra se ser solitário? Se sentir sozinho? Como sempre estou de passagem, me é impossível responder. Mas vendo os habitantes da grande metrópole passando por mim imagino que eles tem uma necessidade em socializar. Posso estar errado. Imaginei isso no momento em que andava pela Augusta e via diversas pessoas interagindo no happy hour. É a luta contra a solidão? E se for, qual a diferença entre essas pessoas e as que habitam outras grandes cidades no Brasil? No mundo? Não estamos todos fugindo da solidão?

Talvez a imensidão da cidade de São Paulo aumente essa luta contra a solidão. Pode ser que dê a sensação de que estamos perdendo, sendo engolidos pelos arranha céus ou desaparecendo em túneis escuros de metrô. Toda essa conjectura é individual: cada um vive e suporta sua própria solidão. Me lembrei que, horas antes, via um artista de rua se manifestando através de um longo e desconexo texto escrito a giz no chão da Paulista. Era um desabafo sobre como a vida dele estava ruim e ninguém se importava. Prova disso é que o texto, que ocupava grande parte da calçada, era pisado por quase todos os transeuntes, que mal se ocupavam de baixar a cabeça e ler meia frase pra saber do que se tratava... Em contraste a essa cena, próximo dali, vários estudantes se reuniam na escadaria da Faculdade Casper Líbero, se divertindo enquanto aguardavam as aulas, ignorando a cidade. Ainda mais contrastante era ver, em muitas estações de metrô, casais namorando no fim das plataformas (adoro isso). 

Enquanto eu subia a rua Augusta e rememorava todas essas cenas ocorridas naquele dia, me peguei sentindo algo que não sentia já fazia um bom tempo. Tanto tempo que, quando a sensação surgiu, não entendi o que era... era um vazio, a impressão de que algo ali me faltava, de que precisava preencher um espaço. Era a solidão. Uma solidão que não lembrava ter sentido nos últimos 8, 9 anos. Não falo de uma companheira, mas sim de companhia. Alguém para estar ali e apreciar, quieto, comigo, naquela imensidão de pedra, andar por aquelas ruas, se perder naqueles túneis do metrô... É essa a solidão que se passa na grande cidade?

A sensação crescia e me tomava enquanto eu chegava ao fim da rua. Mas ao dobrar a esquina na Paulista, uma lufada de vento me bateu na face e levou a sensação embora. Eram ventos indicando a partida. Talvez eu já estivesse em São Paulo por tempo demais... 

Era hora de ir para casa.


J2ML





quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Jóia. Ou: A perfeição.



Sempre que ouço dizerem que fulana ou ciclana é perfeita, qualquer garota, você me volta à cabeça. E com justiça. Não vi menina mais perfeita ainda nessa terra. Não verei, não nesse sentido de perfeição...

Você era sim, perfeita. Desde a aparência física ao caráter. Se algum rapaz se prendia - e quantos admiradores você tinha, eu incluso - aos seus encantos visuais, era com razão. Metricamente desenhada, nas medidas exatas dos pés à cabeça. Um rosto angelical e calmo, espalhava tranquilidade, com olhos castanhos e cabelos cacheados que convidavam a enrola-los entre os dedos. Esportista, nada acomodada, praticante de esportes, fã de futebol (sem fanatismo), embora sempre aparentasse estar quieta no seu canto. 

Essa timidez era uma aparência enganadora: você era tranquila no falar, não evitando ninguém, tendo sempre algo pronto, fosse para rir, ajudar ou ensinar. Tinha, sim, uma incapacidade em decorar nomes - que eu infelizmente senti na pele - mas com a quantidade de admiradores que vinha tentar contato, como se lembrar? E era estudiosa. Sonhava com uma profissão que pudesse servir a outros: enfermagem, serviço social, medicina... pouco importava. Você queria fazer o bem.

Com isso você levava os admiradores à loucura, numa 'ola' de suspiros que fazia varrer o mal do mundo... doce ilusão. Era realmente bom o seu caráter, a sua vontade de se doar, cultivada em seu coração e mente desde cedo. A princípio sempre achávamos balela, mas a constância das suas declarações removia as dúvidas. 

Roqueira declarada, aparentemente para reduzir a fama de santinha, que servia na verdade para aumentar ainda mais o charme dela. Tocava piano, violão e... bateria. E cantava, com uma doce voz inesquecível. Era fã de bichinhos. Sempre estava ajudando alguém. Nunca estava exageradamente arrumada; às vezes, poucas, um pouco largada. Mas ainda com certo charme e jeito meigo.

Você era a perfeição no auge da adolescência. Era exatamente o que seu nome dizia: Jóia. Tão perfeita que parecia inatingível. E assim o foi. Ninguém alcançou seu lindo coração. E se alcançou, você não nos fez saber. Talvez por pena de magoar a nós, admiradores. E era uma perfeição tão grande, tão próxima da expectativa, que me fez me manter pelo tempo que te admirei a uma certa distância.

Até que um dia toda aquela admiração por você se manteve nisso: admiração. Em dado momento me desencantei com sua perfeição. Afinal, sendo tão perfeita como você era - e creio que ainda seja - eu de súbito não vi mais graça em te querer. No fim das contas, a imperfeição desperta mais interesse, mais paixão, mais graça, que toda aquela sua pureza.

Mesmo assim, não consegui desassociar perfeição à sua lembrança, que é hoje o que me resta. E aprendi a rejeitar a perfeição instintivamente, como se fosse uma aberração. A vida não é perfeita. Nunca será. E ter ao lado uma perfeição como você seria, no fim, uma grande - talvez a maior - maldição.


J2ML

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Seu lugar:

Não importa quantas vezes aconteça, e nem quem seja. Sempre volta a você. É sempre você. Sempre sua causa, sua culpa. E não interessa quem machuque ou como machuque... a dor me lembra de você. Em algum momento a ferida ganha sua feição... É como uma maldição: "Você vai me levar pra sempre na sua vida" - eu te ouço tacando, como se fosse agora, na minha cara. 

Mas já faz muito tempo... muito tempo mesmo. E eu me espanto em ver como algo de você ainda resta. E mais ainda: me espanto em sentir que quero que continue restando. É minha maldição. É minha salvação. É luz e trevas... você sempre foi o eco na minha força. O buraco negro que sugou  e neutralizou tudo que eu quis te oferecer - Amor, raiva, ódio, carinho, paixão, emoção, razão. 

Não importa os cortes, as feridas, as cicatrizes que me fazem... Você me desmembrou de tal maneira que me anestesiou pro que viesse. E tão desmontado fiquei que tive que me refazer, remontar, me recriar. Dali saiu um outro homem, um outro ser, que por certo tempo não gostava de ser eu mas que foi se adaptando. E se novamente me corto, a sua lembrança é tão mais funda - nos ossos - que aos poucos dissipa a dor... Você me tornou mais forte. Me fez quase insensível... só aí falhou. Falhou porque naquele dia chovia e aquelas gotas me lavavam enquanto você me marcava. Turvaram, dissolveram parte do seu veneno. Amei ainda mais dias de chuva por causa daquele dia...

E te quis o pior por muito tempo. E só a você desejei isso, a ninguém mais. O perdão, entretanto, também veio com o tempo. Veio quando vi, de longe, que sofremos as mesmas mazelas, as mesmas frustrações na vida. Aí senti que éramos enfim parceiros. E foi o último contato, mesmo estando nós tão perto um do outro ainda hoje. E vai continuar assim: nossa natureza nos leva à destruição mútua. Sabemos disso. Mantemos a distância segura.

Ainda assim, depois de tantos anos, é sempre você que volta. O buraco negro que agora suga a dor de outras feridas. É a garantia de que nada, ninguém, toma o seu lugar. E eu amo e odeio. xingo e agradeço, por um instante, você. Sempre. 


J2ML


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Um snack da eternidade:



É só um bichano...
E os dois jovens lado a lado entretidos com ele.
Uma simples gata cinza, de olhos amarelos.
Numa manhã de sábado calma, nublada, fresca...

O campo, o mato, o morro.
E os dois jovens relaxando com a vista que se estendia.
O sol, de leve, esquenta o solo.
A fumaça fina se levantando,
acalmando corações.

A noite. A lua cheia, grande, bela.
E o frio sendo afastado por uma grande fogueira,
relutante em queimar...
E os dois jovens se esquentando um ao outro.
Olhares perdidos nas chamas do tempo,
tempo que parece parar...

Seja Deus, seja Jah...
Quem for... Fez o tempo parar.
Por um instante...
Foi um instante.

Para aqueles dois jovens,
Um snack da eternidade.
Uma amostra miúda do porvir...


J2ML

Soundtrack:

[Advice for the young at heart - Tears for Fears]

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Um snack da eternidade - parte 2:

O tempo parou.
Parou por um instante,
para o jovem casal.
Mas o instante é efêmero,
e a felicidade, passageira.

Ah, quem me dera
se já fosse a eternidade...
Ainda não.
Dias negros,
esses virão.

Mas dentro de cada tempestade,
Após cada noite em claro,
após toda treva,
(e se o caminho estiver certo)
Há um instante de luz.

Eterno?
Será. Um dia.
Mas agora, somos suspiro...
E o instante, jovem casal,
efêmero...

...até que a esperança,
um dia, retorne.

J2ML

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Stalker:

É a emoção da busca que me domina. A adrenalina que envolve a procura por algo ainda desconhecido. Independente de qual seja o alvo. O importante é descobrir o máximo possível. Encontrar até aquilo que nem o objeto da busca sabe que está exposto. Esquadrinhar sua vida virtual, seu dia a dia, seu endereço, trabalho, estudo, parentes próximos, antigos relacionamentos, postagens, gosto musical, comentários, reclamações, exclamações, pensamentos... mapear toda a sua existência.

Quem ele segue? Quem segue ele? O que ele curte? O que compartilha? Quando ele acessa? Quanto tempo fica? Quando entrou? Quais fotos postou? Por onde passou? Tento responder a todas as perguntas que passam pela minha mente durante a procura.

Tudo isso me provoca. Me excita. A frenética composição de um ser ainda desconhecido. Novidades que atiçam minha curiosidade. É tudo novo conforme vou trazendo à tona nesse mar de informações que é a web. E aprendo com meus alvos: novas músicas, novas leituras, novos lugares, novas vidas. Sugo, assimilo, tomo, roubo. Dê o nome que quiser, não importa. Importa que minha mente se expande, meu conhecimento cresce enquanto o alvo se torna figura clara na minha mente.

E o vício se consome em buscar novos alvos. E tenho de dizer o motivo: é apaixonante. Cada alvo é uma paixão. Cada paixão é uma guarda baixa para o meu coração. E meu objetivo se torna então afogar minhas paixões. E faço isso enquanto vou descobrindo defeitos e vícios dos meus alvos.

Sim, meus alvos tem defeitos. Eles tem de ter,são humanos afinal. E - sorte a minha - eles logo aparecem. As vezes é simples, questão de diferenças: gosto musical, alimentação, religião, curso, profissão, posição social, distância... Diferenças desestimulantes. E vou descartando com o tempo.

Outras vezes, é mais rápido. São coisas mais sérias, pessoais: exibicionismo, sensualidade, infantilidade, egoísmo, busca por elogios... qualquer coisa que eu possa considerar fútil e uma falha de caráter do alvo. É... depende muito do meu estado de espírito o julgamento realizado sobre as ações e intenções dos alvos.

Até que chega o momento em que ele não me desperta mais nenhum efeito. Assim, finalmente ponho de lado minha caçada frenética e descanso minha mente e coração...


J2ML

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Os silêncios:

Quando é confiança,

Calma.

Quando é incerteza,

Ansiedade.

Quando é certeza,

Dureza.

Quando é insegurança,

Apreensão.

Quando muito,

Dor.

Quando forte,

Morte.

Quando fraco (quase sempre),

Rasgar essa página já o quebra...


J2ML



PS: Vamos quebrar?

terça-feira, 9 de junho de 2015

O fim:

O dia amanhece após uma inesperada boa noite de sono. O céu está azul e limpo, belo para um ótimo dia de praia. As notícias surgem rotineiramente nos jornais, embora antes não as percebesse. O café sai quente, assim como o pão vindo de uma fornada recente. As pessoas dão bom dia educadamente. Há aquela série de coisas para fazer, que existiam no dia anterior. Textos para escrever, livros para ler, mensagens para enviar, outras para receber. Amigos chamam para saídas, passeios, jogar conversa fora. A família continua enchendo o celular de mensagens aleatórias. Daqui a pouco começa o horário de trabalho, e o uniforme já está pronto para ser vestido após o banho. Lá fora, as pessoas seguem seu dia como se nada tivesse acontecido - e nada, para elas, aconteceu. Enfim, é mais um dia normal, como todos os anteriores, e como muitos que hão de vir. E o fato de que nada, absolutamente nada ao redor compartilha a sua ausência aumenta ainda mais a minha solidão... 


J2ML

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Dor e indiferença:

A maneira mais fácil de se livrar de uma dor é a indiferença. Isso é o que fazemos quando tomamos um analgésico ou anestesia: a dor se dissipa em instantes, relaxamos novamente e esquecemos aquilo que antes incomodava. E estamos livres para nos dedicarmos a outras coisas.
No entanto, o fim da dor não significa que estamos curados, apenas que decidimos ser indiferentes àquilo que nos machuca. E ao invés de resolvermos o problema, incômodo ou doença, adiamos… Até o momento em que pode não ser mais possível a solução. Aí é o momento em que a indiferença se torna útil e necessária: no estágio terminal.

Nino Srat

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Geometria emocional:

Está tudo quieto. Palavras não mais se encontram. Elas saem a esmo, sem sentido e, quando muito, se enfrentam. Um estranho silêncio predomina. Ele é quase físico, matemático. É um mundo geométrico que se forma: duas linhas, dois cantos, dois pontos, na dúvida de se unirem em uma forma perfeita ou se desfazerem seguindo caminhos opostos. E pra isso, basta que o silêncio seja quebrado por um dos pontos. 

E a incerteza reina sobre essa triste geometria. Soberana cruel, que aprisiona esses dois pontos através do medo de o amanhã ser muito ruim, triste e severamente doloroso caso a distância entre eles se concretizar. O sentido convergente, agora, também é governado pela mesma rainha. E ela usa o mesmo medo, as mágoas, a falha de comunicação entre os pontos, para transformar a antes perfeita forma em duas linhas divergentes. 

Mas resta alguma esperança para esses dois pontos? Não sei... a esperança é como uma linha no horizonte: infinita, inconcebível, ... São muitas variáveis para se descobrir qual sentido elas seguirão, que forma tomarão... se convergirão ou divergirão de uma vez por todas.



J2ML


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Pelos:

Ela está no meu colo e a paisagem é bonita. O vento bate, e ela olhando para o nada... Mas tudo o que eu olho são os pelos dos seus bracinhos paralelos aos meus. Talvez pelo instinto intimo que toda garota tem em relação a sua aparência, ela sentiu que eu estava prestando atenção em algo nela, entendeu logo o que era e interrompeu meu devaneio. "Ai, para. Não gosto dos meus pelos." Minha atenção em mais um detalhe dela se estendeu e ganhou forma, já que eu tinha que responder alguma coisa. Mas foi uma resposta infantil... "Ah, pelinhos..." E a cara de moleque que acabou de ganhar um brinquedo desejado acompanhou meu comentário. Desarmou ela, pelo menos. Desviou o olhar do meu enquanto reclamava de se achar muito peluda, e foi se soltando dos meus braços (droga...). Foi se virando de lado, e me deixou à mostra todo o braço, até a vista das axilas... Juro. Nesses momentos eu desisto de buscar entender o que as mulheres querem quando comentam do próprio corpo. Ela acabou de reclamar dos pelos nos braços, mas se vira pra mim de modo a expor eles perfeitamente à minha visão. Só me resta aprecia-los. Mas ver é pouco, ainda mais sendo detalhes dessa menina. Logo estou ignorando suas reclamações e mexendo nos pelos de seu braço, passando meus dedos naqueles braços brancos, tentando sentir cada um pelinho preto, fino, que os reveste. Lembra veludo, com um cheiro doce do perfume que ela usa. E ela a reclamar enquanto meu interesse passa a ser um desejo: subo o braço na altura da minha boca e começo a passar meus lábios naqueles pelos. Só assim ela para de reclamar, mas olha reticente para mim, como se aceitasse a contragosto fazer parte daquela brincadeira. Eu não quero saber, e vou brincando até que ela se cansa - um minuto após - e retira o braço me afastando delicadamente. Ao abrir o braço, me mostra mais pelos: as axilas com uns poucos, minúsculos pelos, fugidos da colheita da gilete... E eu encontro um estranho interesse em buscar mais dos pelos dela. Não consigo segurar isso na minha mente, e acabo soltando meu interesse no ouvido dela. A reação: a de sempre. Ela primeiro faz uma cara de assustada, pensando no ser estranho com quem ela tem saído. Depois se acalma, talvez por lembrar que a maior parte do meu lado estranho de algum modo a fascina (ou sou eu que sonho, e torço, pra que ela pense nisso...). E pra tentar evitar que eu continue, ela me agarra. Se aninha em mim novamente. Enfia a cabeça no meu peito na esperança de que eu esqueça os pelinhos dela... e eu me aquieto também. Ela pensa que eu sosseguei. Ledo engano: estou só quieto contemplando os pelos dela que descem harmonizadamente pela nuca até o pescoço, apreciando cada detalhe daquele pequeno ser... 


J2ML

terça-feira, 28 de abril de 2015

Casaco:

Ela vestiu meu casaco relutantemente. Olhou para mim e me perguntou se eu não ia precisar ou sentir frio. Eu olhei pra chuva que caía fina e constante e disse que não. Ela se esquentava enquanto eu buscava esquentar meu coração. Me olhava meio que com pena de mim, por estar na chuva enquanto ela se dirigia para casa. Eu só queria que ela esquentasse meu coração. Ela partiu então, e conforme seu veículo se distanciava eu ia sentindo meu coração resfriar... súbito, a mensagem: "estou sentindo seu cheiro no casaco"... a chuva caía. Eu continuava me molhando. Fazia frio. Mas meu coração... ah esse agora estava queimando.


J2ML  

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Além dos olhos:

Eu podia dizer que aqueles olhos cor de café são lindos. Que são bons apesar da miopia e da teimosia em não usar óculos. Que são olhos que me dão vontade de me perder neles. Que me fazem desejar eles perdidos em mim. Podia dizer que são olhos - quase roubo a citação - curiosamente pensantes, mas nada atenciosos: são perdidos no nada sem fim. São olhos ingênuos, embora nada inocentes.     

Eu podia dizer mais sobre aqueles olhos cor de café...
Mas não é o que me importa. Eu busco além deles. Eu quero mais do que aqueles olhos pensantes. Eu quero alcançar a alma por trás deles. Entrar em contato com essa alma através daqueles olhos. 

É o que tento todas as vezes que aqueles olhos cor de café, lindos, perdidos, brevemente se encontram nos meus.


J2ML

Amnésia:

Amei e não perdi
Meu coração, este 
não se confunde

Se olvidado?

Não faz então sentido
ouvir um sim

Enquanto estiver 

à palma da mão (minha)
é tangível e sensível

E se é lindo

Mas, triste, for findo
provo que amo (de novo)
deixo partir

J2ML 





Memória


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 14 de abril de 2015

Mais...menos...



É mais um ano que vem, menos um que se vai.
Menos vida pra viver, mais vida já vivida.
Mais experiência, menos impulso.
Menos ações, mais intenções.
Mais urgências, menos desleixos.
Menos desejos, mais vontades...
[Maioria em ambos não saciada.]
Menos novidades, mais nostalgia.
Mais responsabilidade, menos energia.
Menos paixão, mais amor.
[sexo não é computado nisso...]
Mais certos, menos errados.
[estupidez, no entanto, independe disso]
Menos espontaneidade, mais rotina.
Mais compreensão, menos dor de cabeça.
Menos fôlego, mais velas no bolo.
E, espero, mais amigos em volta da mesa.

                                                                                                             
Nino Srat

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ternura atualizada:

Não te peço perdão e te amo gradualmente
E o meu amor
é como as várias canções na sua playlist
Dos links que segui à sombra de seus posts
Curtindo em sua boca os feeds de um sorriso
Das noites que vivi loggado
Pela graça ilegível dos seus emoticons eternamente fingindo
Trago a doçura dos que desconectam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que deixo salvo no seu HD
Não faz download do exaspero das lágrimas nem da fascinação das promessas
Nem os misteriosos códigos fonte dos véus da alma...
É um stand by, uma banda larga de bençãos, um flood de carícias
E só te pede que entre em estado de repouso, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas no teclado encontrem sem fatalidade o brilho estático da tela...


J2ML




Ternura:

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar 
                                                                     [ extático da aurora.


Vinicius de Moraes

Leveza:

Eu queria ser leve. Quase flutuar.
Queria a leveza por você, pra você.
Leveza de conversar, de se calar.
De confiar, de acreditar.
Brigar, reconciliar, seguir.

Uma leveza de amar.
De não precisar se importar:
Saber que o outro está ali, acolá.
Basta olhar um pro outro e saber.
E por ser leve, está sempre junto.
Até cabe no bolso, junto ao peito,
de tão leve que é.

A vida já pesa, arrasta a gente.
É tão dura que tá fazendo a gente pesar.
E as vezes até dói no peito, nos sonhos.
Mas eu quero ser leve, quase flutuar.
Por você, Pra você. Por nós.

Como pluma voarmos.


J2ML

domingo, 5 de abril de 2015

Casais (nr. ?):

As plataformas do metrô divididas por uma linha que segue igual, em duas direções. 
Em uma, está ele. Sentado. Ainda sorridente, feliz. Olhando para o outro lado com um sorriso bobo.
Na outra, está ela. Em pé, fingindo estar séria - um sorriso volta e meia foge de seus lábios.
Ambos frente a frente. Os corpos, os lábios, as mãos ainda quentes do contato de um com outro. 
Mas agora o olhar não mantém a alegria. Lhe foge um lamento, uma tristeza. É a despedida.
Não adianta estarem na mesma linha: as direções são opostas. Um sobe para lá, outro desce para cá.
E enquanto o metrô não chega para um dos dois, eles seguem se encarando: 
Tão próximos que um olhar lê o outro. 
Tão distantes porque os corpos ali não se alcançam mais.
Em breve, as composições chegarão e levarão adiante um, depois o outro, até que a plataforma fique, enfim, vazia.


J2ML

sábado, 4 de abril de 2015

Carta a Dave:

É a sensação, Dave, que assusta. Você está certo. E pior que não ser o que parece é não ter a menor idéia do que pode ser. É onde estou. Mas sou o que sou, e eles veem - eu espero - isso. Não escondi. Deveria estar orando. Antes, durante, depois. Mas a fé foi esporádica, e eu esqueci de crer na maior parte do tempo. Assim, agi. Errei... Errei? Não sei... Mas assim como você, pensei que o que fiz era necessário. De verdade...

Não foi um dia maldito. Foi enrolado, confuso. Foi mais um dia vivido. Pesado, triste, Dave. E o incomodo evolve conforme se distancia...

Eu também imagino, Dave...
Mas eu vou seguir.

Eu queria estar longe daquele erro idiota. Mas ele ainda está bem próximo. E recente, porque ainda nem paguei a primeira parcela dessa conta impagável. E ainda tem os juros...
Mas não, Dave. Não vou correr. Vou ficar. Corri antes, e não fiquei ok...

Ainda imagino, Dave. E como imagino...
Mas eu vou seguir...

Está muito recente pra enterrar o passado ainda, cara. Eu vou ter que pagar por ele. Não queria também, mas vou pagar... E será que se voltássemos o relógio conseguiríamos mesmo fazer tudo diferente, ou repetiríamos os mesmos erros? Eu confundiria novamente carinho com raiva? Desejo e culpa?

E imagino se ela seguiria comigo. Se seguraria minha cabeça, e eu poderia segurar a dela. Um apoiando o outro. Será?
Se não, eu seguirei só?

E no fim só posso repetir você, Dave:
Eu quero tanto estar nos braços dela, vê-la sorrir, abraça-la.
E isso pesa muito, como pedra. Me dá calafrios.
E fico imaginando se ela seguiria comigo...
Se me diria que sim.


J2ML




Soundtrack: Dave Matthews Band - The Stone








Música nos vagões do metrô:

Pegar o metrô no Rio nos fins de semana e feriados tem uma vantagem: a chance de ser surpreendido por um par, ou um trio, ou mais, de músicos em busca de um trocado. A viagem no vagão se torna interessante e agradável. Até agora, pelo menos, não assisti musicos desafinados ou com mau gosto musical. Volta e meia é um chorinho, um samba, bossa ou uma cantiga popular antiga. E, a nāo ser que um guarda os surpreenda - o que infelizmente é possivel - eles tocam uma quantidade razoavel de musicas, em torno de 3 ou 4.

Interessante, mundo afora, a associação entre metrôs e músicos. Acima do fato de ser ali um local que facilite receber umas moedas, creio que o subterrâneo deva produzir algum efeito sobre a propagação sonora. Eu por exemplo facilmente me deixo levar pelas notas produzidas por esses menestréis modernos. Esses dias estava com a mente pesada enquanto me dirigia ao trabalho. De subito, surge um casal de musicos no vagão. Ela sacou um comprido clarinete enquanto ele apresentava a dupla e avisava do evento que preencheria - promessa dele - o silêncio de nossa viagem. Conforme a música tocava, sentia o 'peso' dentro de mim se reduzir aos poucos. O alivio marejou os olhos, mas me contive. Não fosse o pedido por auxilio financeiro, eu os consideraria anjos. Eu realmente estava precisando daquele alívio.

Do mesmo modo como surgiram, os musicos se foram. O clarinete e o pandeiro desapareceram das maos deles. O silencio voltoua reinar na viagem. Mas a missão nobre daqueles artistas estava cumprida: animaram, aliviaram, alegraram minutos da vida de alguns daqueles passageiros, eu incluso. Não resolveram os problemas de ninguém, claro. Isso seria muito pelos poucos trocados que eles recebem. Mas o alívio momentâneo que tive deu bom retorno.

Se encontrar com um desses grupos, aproveite. Aprecie, sinta a música. É uma viagem dentro da viagem. E vale os poucos centavos pedidos.


J2ML

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Doce pesadelo:

Eu acordei e ainda sentia o doce gosto da sua lembrança. O gosto que parecia bom no entanto desceu amargo e queimando como ácido pela minha garganta. A memória me traiu e, durante o sono, trouxe você de volta aos meus pensamentos. E era um sonho doce: possível sobra daqueles momentos que tive quando te desejei. Das horas que perdia pensando em você e no futuro... Mas hoje esse doce sonho cai como um pesadelo. É como doce para um diabético. Essa glicose se torna um veneno que, se não for contido, me mata lentamente. Por isso tenho de cortá-lo agora, eliminar de vez de meu organismo, meus pensamentos. E evitar que você cause novamente o estrago que causou a meses atrás, quando me fez provar um gosto amargo saído de sua boca de forma negativa. Agora de nada bastam doces momentos, lembranças açucaradas... Deixo, desejo, que as formigas do esquecimento corroam essas migalhas de dentro do meu ser, estragando de vez a memoria do que você já foi pra mim.


Nino Srat

A Princesa e o Bárbaro (2):


Havia, em uma terra fantástica e distante, uma princesa não tão fantástica de um pequeníssimo reino, igualmente não tão fantástico. Era um lugar bonito, mas parado, e a princesa achava seu reino um lugar muito chato. E não suportava ficar mais um dia nele...

Mas ficava. Um dia. Dois. Semana. E por aí ia ficando. Sair, ela até saía, mas logo voltava. Voltava porque no reino ela se sentia confortável, segura. E tinha medo de um dia assumir o trono; medo da responsabilidade que teria. Sua mãe, a rainha, se preocupava com essa situação mas achava que em alguma hora sua filha iria assumir o trono. Seu pai, o rei, partiu em uma jornada um dia e nunca mais voltou...

Mas a princesa também era bela. E tinha seus pretendentes. E ela adorava ser cortejada, mas jamais decidia qual príncipe seria seu escolhido. Afinal, pra que se decidir, se todos a bajulavam? Pra que parar de receber presentes e atenção de todos eles? Mas acabava que em algum momento os príncipes se cansavam dos seus joguinhos, de sua indecisão, e partiam. A princesa até se preocupava, mesmo quando o número de pretendentes diminuía, mas sabia que ainda era jovem e haveria outros candidatos. 

O mais curioso de tudo é que a princesa tinha um sonho, um grande sonho na vida: deixar aquele reino para trás, partir, conhecer o mundo. Só que o sonho continuava preso na terra dos sonhos, enquanto a princesa permanecia  segura no conforto de seu tedioso reino. Passava os dias ouvindo músicas, apreciando pinturas e vendo o sol lentamente se por.

Até que um dia surgiu um estranho cavaleiro na porta de seu castelo: Cavalo e cavaleiro fedendo, suas roupas sujas e rasgadas, armado e com a cara cansada. Bateu no portão e mandou que chamassem a princesa. Ela, reticente mas curiosa, resolveu jogar com aquele estranho e sujo pretendente. O deixou esperando do lado de fora do castelo. 

Sem receber resposta, o cavaleiro resolveu acampar no pé dos muros do castelo. A cada dia, ele dava voltas pelos muros, observando os guardas do castelo, os transeuntes que iam e vinham pelos portões e a princesa, que de vez em quando vinha rapidamente observar aquele candidato ao romance. Ele ficava quieto a maior parte do tempo. De vez em quando ia ao portão mandar que chamassem a princesa.  

Ela continuava não respondendo. Mas a curiosidade, crescente, apertava. Quem era aquele homem? E por que teria chegado daquela maneira ao seu castelo? Não havia motivos, desculpas para aquela situação dele? E por que ele mandava que ela viesse a sua presença nos portões? Outros principes traziam presentes e se anunciavam no saguão real. Por que ele dispensava, e demandava, tratamento diferenciado?

E a cada dia ela se pendurava mais nos muros. Ia vendo o que ele fazia. Percebeu então que muitas das vezes ele a ignorava, prestando atenção em detalhes nos muros, nos guardas, nas pessoas, nos celeiros... estava medindo a riqueza dela? E por que não media a beleza dela? Por que não olhava para ela?!!

Então a princesa passou a se insinuar para ele. Se arrumava mais, gastou uma renda extra com novos vestidos, dava bailes próximo ao portão, chegou até a dar uma festa nos muros uma noite, descendo por uma corda quitutes para o sujo cavaleiro. Ele provou alguns, cuspiu-os e acabou recusando tudo o que desciam pra ele.

Ela se enfureceu. Perdeu o controle sobre os joguinhos que fazia com os pretendentes que haviam sobrado. Acabou dispensando todos. O cavaleiro sujo ocupava sua mente, e com a raiva, também seu coração. Sonhava com ele de noite: às vezes bons sonhos, outras vezes pesadelos. Num surto descontrolado, uma manhã, ela abriu os portões e atendeu finalmente o chamado diário do cavaleiro maltrapilho.

A princesa em fúria desejou saber quem era e o que queria aquele homem que acampou meses no seu muro desejando falar com ela. Ele calmo, pediu que ela o deixasse entrar e lhe desse de comer. No limite da raiva e da curiosidade, a princesa pensou seriamente em mandar que enfiassem aquele homem no calabouço. Mas acabou almoçando com ele no salão real.

Durante a refeição ele nada dizia. Comia toda a comida mais simples que lhe davam. Bebia água e bebidas fortes. Evitou a maioria dos doces. Pediu licensa por um instante à princesa, retornando uma hora depois. Parecia ter lutado com alguém, mas ela achou que era só impressão. Fitava-o com raiva, interesse e uma sensação estranha que deixava seus olhos brilhando.

Eis que o cavaleiro se revela. Não era o príncipe encantado que a princesa tanto sonhara. Ele disse ser chefe de um povo bárbaro que vagava pelas vizinhanças. Veio tomar seu castelo, destruir seu reino, cativa-la - literalmente.

A princesa teria jurado que era a maior e mais boba brincadeira que alguém já fizera com ela. Infelizmente a horda que entrou chutando o portão do saguão indicou a realidade a ela. Levada para fora pelo cavaleiro/chefe bárbaro, ela viu seu reino sendo dominado facilmente por aquele povo bruto. Não houve resistência. Ninguém esperava aqueles invasores.

Tudo foi levado para fora do castelo: pessoas, animais, comida armazenada. A princesa, mantida junto ao seu chefe captor, observava enquanto o castelo era esvaziado de tudo o que fosse necessário, e apenas uma ou outra coisa mais valiosa. Ao fim, ela viu o chefe acender uma tocha e aos poucos iniciar com ela pequenos incêndios. Em pouco tempo todo o seu castelo pegava fogo.

Seu povo chorava, desesperado. As casas, o castelo, todo o reino em chamas. Ela no inicio não sabia como reagir. Caiu de joelhos observando o fogo arder. Quando uma lagrima ensaiou sair de seus olhos, ela sentiu o vento bater do lado contrário e se virou. E percebeu o vasto mundo ao redor dela. Sentia como se aquele vento a estivesse libertando, chamando para realizar seu sonho.

A princesa já não sabia o que pensar, o que fazer. Agora, ao lado daquele que a capturou completamente, ela chorava. E ria. Estava desesperada. Estava aliviada. Estava confusa. Mas estava certa de uma coisa: a realidade agora era inevitável. O chefe bárbaro a encarava, sério. Ela quis saber o que ele ia querer dela agora. O que a princesa ouviu? "Uma rainha".


J2ML


 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Odaxelagnia:




ODAXELAGNIA: (s.f.); parafilia que envolve o prazer atraves da mordida ou de ser mordido.

Os labios preparam o caminho, umedecendo a pele no local que os dentes em breve encontrarao. Surpreendido, ele, a presa, so resta esperar que seu caçador não abuse da força ao saciar seu desejo. Mas nāo, ela aperta com força suas mandibulas e entāo solta sua vitima num segundo. Ele solta um gemido enquanto olha, surpreso, assustado, deliciado, para sua predadora. Ela responde com um sorriso languido e um olhar de quem acaba de saborear um bife apetitosamente sensual. Ele se recupera aos poucos do susto, olhando para o rosto dela e maquinando uma vingança. Encara-a com o olhar fixo no dela, que desvanece seu tom desafiador e se encolhe. Como um felino, ele mergulha sobre ela lançando-a de costas na cama. Ela ri, geme, finge ser capturada enquanto ele mergulha a boca em seu pescoço, mordiscando com os labios aquela carne doce e branca. Ela desdenha; zomba de sua mordida medrosa. "Não me marca? Tem medo de que?" Ele responde mordendo seu braço imobilizado. Ela sente a pressao, mas pressente que vai ficar por aquilo. Aumenta as apostas: oferece o dedo, com olhar debochado. Ele se irrita, larga o braço e crava com vontade os dentes no dedo dela. Mas ela ignora a dor. Faz cara de seria, pede um beijo apertado, e se enrosca nele. As linguas se encontram... De subito, a traiçao: ela lhe morde o labio. Com vontade. Ele novamente geme. De novo se assusta com ela, e o jogo entao volta à estaca zero...


Nino Srat

domingo, 29 de março de 2015

Adeus de um Voyeur de coração partido:

Cada casal que eu observo
no metrô, nos bares, nas ruas,
felizes, apaixonados, juntos,
me enche a esperança perdida.

Esperança não de mim mesmo,
já sou feliz, tenho o necessário,
e um novo amor já existe pra mim.
(e você não era o anterior)
É meu último desejo.

Esperança de que você consiga,
amar de verdade uma vez na vida,
e ser feliz com esse amor,
até mesmo na dor que te causar.

Esperança de que quando
encontrar alguém igual a você
possa saber que te irá doer,
(muito mais do que em mim doeu)
mas, como eu, você irá viver...

...e observar os casais nas ruas.

Felizes. Apaixonados. Juntos...

... como nunca estivemos.


J2ML


03 AM:




São 3 horas da manhã e eu estou acordado. Não é insônia. Eu logo voltarei a dormir. Isso tem acontecido por muitas noites: na hora exata, eu desperto. E eu sei o motivo: É você. Se aproveita do meu momento mais fraco para invadir meus pensamentos. Sempre às 3 da manhã. E por apenas uma hora, até menos, você controla meus pensamentos fazendo deles o que quiser: sonhos, pesadelos... e se vai. Às vezes, parece que você quer ficar até as 4 da tarde, ou mais... Outras, parece estar doida pra partir. E eu? Só espero. O que me resta? Fique. Vá. Volte. Suma... Decida. O tempo é curto, a vida passa, e eu quero continuar a dormir. Eu quero viver. E pra isso, te cederia também as 4 da tarde. Mas você não decide. E continuo acordando às 3 da manhã... mas logo voltarei a dormir.


J2ML    

quinta-feira, 12 de março de 2015

Seus dedos tortos:


Você reclama por eu gostar dos dedos tortos da sua mão. Reclama que é um defeito, que meu gosto é estranho, que eu não devia rir disso... E eu gosto dos dedos tortos das suas mãozinhas. Gosto mais ainda quando eles se entortam entre os dedos das minhas mãos... E você ri. E você reclama. E você estranha meu gosto torto. Mas torto, minha pequena, não são seus dedos... Tortos estão os dias. Torto está o trabalho. Torto estão nossas vidas. Torto está o tempo. Torto estão nossos desencontros e desacertos. Seus dedos são perfeitos pra mim. Suas mãos são lindas quando estão nas minhas. Tortas elas ficam apenas no aceno de despedida. 



J2ML

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Virando a página:




Mais uma página da minha vida que se vira...




...pena que essa fez questão de ir em branco.


J2ML

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Quadrilha, a moderna:

João não amava - mas queria pegar - Teresa que era apaixonada por Raimundo mas mantinha seu perfil do Tinder. Raimundo amava Maria que engravidou dele, mas eles terminaram após o nascimento da filha. Maria resolveu deixar de amar, mas saía com Joaquim que amava várias mas queria a Lili que parecia não querer ninguém mas gostava de se exibir no Snapchat para seus seguidores.

João pegou Teresa e hoje não quer mais saber dela. Teresa bloqueou João no Whatsapp, saiu com Raimundo mas não quis mais nada quando ele se interessou por ela - e ainda tem seu perfil do Tinder. Raimundo está confuso mas cuidando da filha com Maria, que hoje ama a si mesma muito bem. Joaquim pegou Aids. Lili ainda se exibe no Snapchat, mas está num relacionamento sério com Juliana, que entrou na história via Twitter.


J2ML




Revisitando:



Quadrilha:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história


Carlos Drummond de Andrade












sábado, 14 de fevereiro de 2015

Confuso:





Eu ela passe estou a direção confuso Não sei quero parar se ela Bom o desse labirinto Quero que Mais ou menos Mas não confusa que eu o que sinto Achava suma perdido passar está um caos que sentia também está À espera de  Sei que aqui  Eu prefiro confusa o que havia contorno na estrada Estou   não sei  Pegar o Que ela  direção oposta deixar pra lá confuso Dela? Mas ainda  que sabia Era interessante Gostaria de o que houve Perdido Meu? Eu estou Agora não sei Ela é Desejo sair Partir na Pra onde ir Não sei  tomar É confuso Que caminho 



J2ML


















terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Você nunca foi minha:



Você nunca foi minha.
Nunca te vi;
nunca pode olhar seus olhos cor de café.
Nunca senti seu cheiro,
não soube qual seu perfume.
Nunca toquei seu cabelo,
nem passei meus dedos por seus fios.
Nunca peguei na sua pele.
Onde ela é quente? Fria?
Úmida? Seca?
Lisa? Áspera?
Nunca ouvi sua voz,
sequer senti seus lábios...
Nunca tive você em meus braços;
não a ouvi respirar pertinho,
nem senti seu coração bater...
(você tem um?)

Você nunca foi minha.
Não me incomoda sua falta, no entanto.
Pois de uma coisa fiz questão:
Eu nunca fui seu.


J2ML

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O pequeno grande monstro da frustração:


Lidar com frustração não é fácil. A frustração surge no momento em que percebemos algo bloqueando, dificultando e, principalmente, acabando com algum projeto ou sonho que temos. E seu efeito é proporcional ao empenho emocional que aplicamos na concepção/realização deles. Às vezes pode ser até mais. O certo é que a frustração serve como um peso jogado sobre nós com o sentido de nos ajudar a frear, como se estivéssemos em movimento. Mas o efeito desse peso por vezes acaba por afundar ou capotar nossas vidas. Eu não estou com a pretensão de fazer um texto de autoajuda, só estou acordado as 4 da manhã por causa de uma frustração e resolvi discorrer sobre ela pra poder tentar voltar a dormir...

Uma das coisas mais comuns durante uma frustração é pensarmos no que poderíamos ter feito diferente. Essa atividade torturante provavelmente é a principal causa de a frustração nos fazer mal: a sensação de culpa por acharmos que erramos em algum ponto. Acaba que essa culpa nem sempre é real, mas fruto da necessidade de culparmos algo ou alguém pela frustração. E o tempo perdido nesse período varia conforme passamos de uma culpa a outra: de nós para o outro, ou vice-versa. Acaba que no fim admitimos que todos tem sua parcela de responsabilidade, assumimos a nossa e seguimos em frente.

Agora uma vantagem, creio eu: Acreditar em destino ( قِسْمَة ). Eu em algum momento da frustração me resigno acreditando que nada que eu fizesse mudaria aquele resultado. Isso poupa meu emocional em algumas situações, e aumenta a carga em outras. No primeiro, alivia pensar que de alguma maneira me livrei de algo que não me faria bem; no segundo, me incomoda pensar se o destino não estaria tramando contra mim. Tanto faz, desde que eu aprenda com possíveis erros e deixe pra trás logo depois. 


Aí às 4 da matina, independente do que você acredita, que você faz? Analisa sua atual frustração. Então se percebe o jogo de sombras que fazemos em nossa mente nessas situações. Explicando com meu exemplo: 2014 foi horrível pra mim, deu tudo errado. 2015, no primeiro mês, já deu sinais de poder reverter os erros do ano anterior. Claro que nem tudo será um mar de rosas, e bastou um pequeno contratempo pra provar isso. E foi algo pequeno, ainda mais se comparado com as boas notícias que vieram. 


Nisso vem o jogo de sombras, quando algo pequeno é projetado na parede com tamanho muito maior do que o natural.  Vemos a sombra da frustração na parede e achamos aquilo maior que nós mesmos; acabamos subjugados pelo nosso medo infundado antes de verificar se o monstro da sombra é um T-rex ou uma mera lagartixa. E perde-se o sono, a concentração, a cabeça, por uma coisa que sob luz clara não nos preocuparia tanto - se nos preocupasse. 

Eu disse no inicio que isso não seria um texto de autoajuda. Foi uma reflexão sobre minha atual frustração para que eu pudesse voltar a dormir. E agora que já percebi que a causa dela era na verdade algo tão mínimo, bocejei. Acho que é uma boa hora de voltar pra cama...




J2ML



PS: É, meu desenho tá uma bosta, sei...


sábado, 31 de janeiro de 2015

SmartCaress:

Ela tinha dedos graciosos. Nem longos, nem curtos. Tamanho exato. Um pouco gordinhos. A pele das mãos macias apesar das tarefas diárias. Fez as unhas a poucos dias, talvez ontem. A tinta ainda está sem falhas e brilhante; chamativa. Mãos cuidadas. Muito bem cuidadas mãos de mulher.  

Ela segurava delicadamente com uma mão. Deslizava os dedos com a outra, variando os movimentos: por vezes dedilhava, outras vezes apertava, outras ainda os deslizava. Os dedos subiam, desciam. Iam de um lado para o outro. Tamborilavam enquanto a outra mão segurava - nessa, o dedão sorrateiro ensaiava um minusculo carinho.

A atenção, o esmero, o carinho que ela tinha ao usar aquelas mãos a deixava estática. Dedicada àquela tarefa, nada mais a distrairia enquanto ela não atingisse seu objetivo. E fazia isso certamente por prazer próprio: ela estava tão absorta em mexer seus dedos, em segura-lo, como que entorpecida. Desligada da realidade e suas mazelas.

No entanto, aquilo que ela segurava era frio, impossível de corresponder - sozinho - a suas carícias, suas carências. Mesmo assim ela se dedicava, ela desejava, ela dedilhava. Passava, com delicadeza, seu lindos dedos bem cuidados pela fria tela do seu Smartphone.




Nino Srat

  




quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Detalhes e Aparências no centro dessa grande cidade:

A vantagem de trabalhar pelo centro é a diversidade humana. Tem gente de tudo quanto é tipo social, cultural, econômico. É o centro vital da cidade, obviamente, onde tudo se negocia, se vende, se compra, se acerta, começa e termina. E essa diversidade fica bem visível na aparência das pessoas que cruzam o centro diariamente.

Engraçado é analisar o ditado de que 'as aparências enganam' enquanto você está assistindo essa diversidade pelas calçadas e cruzamentos do centro. As aparências com certeza enganam, e fácil, se você não se prender a detalhes pequenos que passam despercebidos à maioria das pessoas. Esses detalhes muitas vezes revelam mais da pessoa do que tudo o mais que ela estiver vestindo e/ou usando.

Por exemplo, a menina no perfeito estilo patricinha, com aquele vestido de marca, tamanho normal, maquiagem muito bem feita, sem exagero, que trabalha nas lojas de roupa de marca próximas à Av. Rio Branco. Essa é a primeira leitura que você faz, até que a vê trabalhar no caixa e percebe, no lado interno do seu pulso, uma tatuagem discreta do elmo do Darth Vader.

Ou o cara vestido como um grunge: barba mal feita, tênis, calça jeans e uma camisa social quadriculada, meio velha, se dirigindo à estação das barcas. Seguindo-o mais um tempo você talvez perceba um CD de sambas tradicionais e uma pasta cheia de trabalhos de alunos da Universidade pública do outro lado da baía.

Um motorista educado e comportado no ponto final de ônibus do Castelo não atrairia a atenção de ninguém à primeira vista, talvez. Mas olhando mais de perto, sua mão direita poderia assustar devido ao tamanho desproporcional de suas unhas. Um lobisomem urbano, talvez? Não. Apenas um motorista de ônibus que toca violão como musicista amador nas horas vagas.

Esse é meu favorito: Uma loira alta, bela, de óculos, perfeitamente arrumada em seu terno, saindo do tribunal de justiça. Uma compenetrada advogada, com sua pasta de processos a tiracolo. Basta entretanto um segundo a mais olhando-a para ver sair, de sua linda e grande boca retocada com batom vermelho, uma singela e relaxante bola feita de chiclete.

Esse foi dessa semana: a garota arrumadinha, cheirosa, arrumada e bem comportada, à espera de seu amor num bar próximo à Av. Presidente Vargas. Despertando olhares cobiçosos dos homens ao redor. Então, seu amor vem para protege-la desse bando de hienas de camisa social e calça. Onde está o detalhe? A menina saiu do bar feliz, de mãos dadas com sua namorada. Enquanto isso eu me ria observando as reações dos homens que antes a desejavam... até perceber que algumas não eram muito engraçadas. Pelo contrário... isso é melhor eu nem detalhar.

Enfim... esse é um texto que, se deixar, jamais vou completar. Em uma cidade de mais de dois milhões de habitantes (imagina se fosse São Paulo, então?), basta passar pelo centro algumas vezes na semana para ter mais uma pessoa detalhada (claro que meu voyeurismo ajuda...). É a diversidade de uma imensa cidade, cheia de vida apesar do calor, da inflação, da crise e tudo o mais. Para apreciar detalhes, só é necessário se despir dos pré conceitos e perceber o outro ao seu redor como diferente ao mesmo tempo que igual.

Quem dera isso fosse costume, ou minha mania tivesse mais adeptos. O que me incomoda é que a diversidade parece ser proporcional à discriminação, ao preconceito, aos julgamentos precipitados baseados na aparência sem detalhes.



Nino Srat


PS: Acho que voltarei a esse texto mais vezes. Sempre haverão detalhes a mais para relatar...