Em destaque:

No portão:

terça-feira, 28 de abril de 2015

Casaco:

Ela vestiu meu casaco relutantemente. Olhou para mim e me perguntou se eu não ia precisar ou sentir frio. Eu olhei pra chuva que caía fina e constante e disse que não. Ela se esquentava enquanto eu buscava esquentar meu coração. Me olhava meio que com pena de mim, por estar na chuva enquanto ela se dirigia para casa. Eu só queria que ela esquentasse meu coração. Ela partiu então, e conforme seu veículo se distanciava eu ia sentindo meu coração resfriar... súbito, a mensagem: "estou sentindo seu cheiro no casaco"... a chuva caía. Eu continuava me molhando. Fazia frio. Mas meu coração... ah esse agora estava queimando.


J2ML  

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Além dos olhos:

Eu podia dizer que aqueles olhos cor de café são lindos. Que são bons apesar da miopia e da teimosia em não usar óculos. Que são olhos que me dão vontade de me perder neles. Que me fazem desejar eles perdidos em mim. Podia dizer que são olhos - quase roubo a citação - curiosamente pensantes, mas nada atenciosos: são perdidos no nada sem fim. São olhos ingênuos, embora nada inocentes.     

Eu podia dizer mais sobre aqueles olhos cor de café...
Mas não é o que me importa. Eu busco além deles. Eu quero mais do que aqueles olhos pensantes. Eu quero alcançar a alma por trás deles. Entrar em contato com essa alma através daqueles olhos. 

É o que tento todas as vezes que aqueles olhos cor de café, lindos, perdidos, brevemente se encontram nos meus.


J2ML

Amnésia:

Amei e não perdi
Meu coração, este 
não se confunde

Se olvidado?

Não faz então sentido
ouvir um sim

Enquanto estiver 

à palma da mão (minha)
é tangível e sensível

E se é lindo

Mas, triste, for findo
provo que amo (de novo)
deixo partir

J2ML 





Memória


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 14 de abril de 2015

Mais...menos...



É mais um ano que vem, menos um que se vai.
Menos vida pra viver, mais vida já vivida.
Mais experiência, menos impulso.
Menos ações, mais intenções.
Mais urgências, menos desleixos.
Menos desejos, mais vontades...
[Maioria em ambos não saciada.]
Menos novidades, mais nostalgia.
Mais responsabilidade, menos energia.
Menos paixão, mais amor.
[sexo não é computado nisso...]
Mais certos, menos errados.
[estupidez, no entanto, independe disso]
Menos espontaneidade, mais rotina.
Mais compreensão, menos dor de cabeça.
Menos fôlego, mais velas no bolo.
E, espero, mais amigos em volta da mesa.

                                                                                                             
Nino Srat

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ternura atualizada:

Não te peço perdão e te amo gradualmente
E o meu amor
é como as várias canções na sua playlist
Dos links que segui à sombra de seus posts
Curtindo em sua boca os feeds de um sorriso
Das noites que vivi loggado
Pela graça ilegível dos seus emoticons eternamente fingindo
Trago a doçura dos que desconectam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que deixo salvo no seu HD
Não faz download do exaspero das lágrimas nem da fascinação das promessas
Nem os misteriosos códigos fonte dos véus da alma...
É um stand by, uma banda larga de bençãos, um flood de carícias
E só te pede que entre em estado de repouso, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas no teclado encontrem sem fatalidade o brilho estático da tela...


J2ML




Ternura:

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar 
                                                                     [ extático da aurora.


Vinicius de Moraes

Leveza:

Eu queria ser leve. Quase flutuar.
Queria a leveza por você, pra você.
Leveza de conversar, de se calar.
De confiar, de acreditar.
Brigar, reconciliar, seguir.

Uma leveza de amar.
De não precisar se importar:
Saber que o outro está ali, acolá.
Basta olhar um pro outro e saber.
E por ser leve, está sempre junto.
Até cabe no bolso, junto ao peito,
de tão leve que é.

A vida já pesa, arrasta a gente.
É tão dura que tá fazendo a gente pesar.
E as vezes até dói no peito, nos sonhos.
Mas eu quero ser leve, quase flutuar.
Por você, Pra você. Por nós.

Como pluma voarmos.


J2ML

domingo, 5 de abril de 2015

Casais (nr. ?):

As plataformas do metrô divididas por uma linha que segue igual, em duas direções. 
Em uma, está ele. Sentado. Ainda sorridente, feliz. Olhando para o outro lado com um sorriso bobo.
Na outra, está ela. Em pé, fingindo estar séria - um sorriso volta e meia foge de seus lábios.
Ambos frente a frente. Os corpos, os lábios, as mãos ainda quentes do contato de um com outro. 
Mas agora o olhar não mantém a alegria. Lhe foge um lamento, uma tristeza. É a despedida.
Não adianta estarem na mesma linha: as direções são opostas. Um sobe para lá, outro desce para cá.
E enquanto o metrô não chega para um dos dois, eles seguem se encarando: 
Tão próximos que um olhar lê o outro. 
Tão distantes porque os corpos ali não se alcançam mais.
Em breve, as composições chegarão e levarão adiante um, depois o outro, até que a plataforma fique, enfim, vazia.


J2ML

sábado, 4 de abril de 2015

Carta a Dave:

É a sensação, Dave, que assusta. Você está certo. E pior que não ser o que parece é não ter a menor idéia do que pode ser. É onde estou. Mas sou o que sou, e eles veem - eu espero - isso. Não escondi. Deveria estar orando. Antes, durante, depois. Mas a fé foi esporádica, e eu esqueci de crer na maior parte do tempo. Assim, agi. Errei... Errei? Não sei... Mas assim como você, pensei que o que fiz era necessário. De verdade...

Não foi um dia maldito. Foi enrolado, confuso. Foi mais um dia vivido. Pesado, triste, Dave. E o incomodo evolve conforme se distancia...

Eu também imagino, Dave...
Mas eu vou seguir.

Eu queria estar longe daquele erro idiota. Mas ele ainda está bem próximo. E recente, porque ainda nem paguei a primeira parcela dessa conta impagável. E ainda tem os juros...
Mas não, Dave. Não vou correr. Vou ficar. Corri antes, e não fiquei ok...

Ainda imagino, Dave. E como imagino...
Mas eu vou seguir...

Está muito recente pra enterrar o passado ainda, cara. Eu vou ter que pagar por ele. Não queria também, mas vou pagar... E será que se voltássemos o relógio conseguiríamos mesmo fazer tudo diferente, ou repetiríamos os mesmos erros? Eu confundiria novamente carinho com raiva? Desejo e culpa?

E imagino se ela seguiria comigo. Se seguraria minha cabeça, e eu poderia segurar a dela. Um apoiando o outro. Será?
Se não, eu seguirei só?

E no fim só posso repetir você, Dave:
Eu quero tanto estar nos braços dela, vê-la sorrir, abraça-la.
E isso pesa muito, como pedra. Me dá calafrios.
E fico imaginando se ela seguiria comigo...
Se me diria que sim.


J2ML




Soundtrack: Dave Matthews Band - The Stone








Música nos vagões do metrô:

Pegar o metrô no Rio nos fins de semana e feriados tem uma vantagem: a chance de ser surpreendido por um par, ou um trio, ou mais, de músicos em busca de um trocado. A viagem no vagão se torna interessante e agradável. Até agora, pelo menos, não assisti musicos desafinados ou com mau gosto musical. Volta e meia é um chorinho, um samba, bossa ou uma cantiga popular antiga. E, a nāo ser que um guarda os surpreenda - o que infelizmente é possivel - eles tocam uma quantidade razoavel de musicas, em torno de 3 ou 4.

Interessante, mundo afora, a associação entre metrôs e músicos. Acima do fato de ser ali um local que facilite receber umas moedas, creio que o subterrâneo deva produzir algum efeito sobre a propagação sonora. Eu por exemplo facilmente me deixo levar pelas notas produzidas por esses menestréis modernos. Esses dias estava com a mente pesada enquanto me dirigia ao trabalho. De subito, surge um casal de musicos no vagão. Ela sacou um comprido clarinete enquanto ele apresentava a dupla e avisava do evento que preencheria - promessa dele - o silêncio de nossa viagem. Conforme a música tocava, sentia o 'peso' dentro de mim se reduzir aos poucos. O alivio marejou os olhos, mas me contive. Não fosse o pedido por auxilio financeiro, eu os consideraria anjos. Eu realmente estava precisando daquele alívio.

Do mesmo modo como surgiram, os musicos se foram. O clarinete e o pandeiro desapareceram das maos deles. O silencio voltoua reinar na viagem. Mas a missão nobre daqueles artistas estava cumprida: animaram, aliviaram, alegraram minutos da vida de alguns daqueles passageiros, eu incluso. Não resolveram os problemas de ninguém, claro. Isso seria muito pelos poucos trocados que eles recebem. Mas o alívio momentâneo que tive deu bom retorno.

Se encontrar com um desses grupos, aproveite. Aprecie, sinta a música. É uma viagem dentro da viagem. E vale os poucos centavos pedidos.


J2ML

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Doce pesadelo:

Eu acordei e ainda sentia o doce gosto da sua lembrança. O gosto que parecia bom no entanto desceu amargo e queimando como ácido pela minha garganta. A memória me traiu e, durante o sono, trouxe você de volta aos meus pensamentos. E era um sonho doce: possível sobra daqueles momentos que tive quando te desejei. Das horas que perdia pensando em você e no futuro... Mas hoje esse doce sonho cai como um pesadelo. É como doce para um diabético. Essa glicose se torna um veneno que, se não for contido, me mata lentamente. Por isso tenho de cortá-lo agora, eliminar de vez de meu organismo, meus pensamentos. E evitar que você cause novamente o estrago que causou a meses atrás, quando me fez provar um gosto amargo saído de sua boca de forma negativa. Agora de nada bastam doces momentos, lembranças açucaradas... Deixo, desejo, que as formigas do esquecimento corroam essas migalhas de dentro do meu ser, estragando de vez a memoria do que você já foi pra mim.


Nino Srat

A Princesa e o Bárbaro (2):


Havia, em uma terra fantástica e distante, uma princesa não tão fantástica de um pequeníssimo reino, igualmente não tão fantástico. Era um lugar bonito, mas parado, e a princesa achava seu reino um lugar muito chato. E não suportava ficar mais um dia nele...

Mas ficava. Um dia. Dois. Semana. E por aí ia ficando. Sair, ela até saía, mas logo voltava. Voltava porque no reino ela se sentia confortável, segura. E tinha medo de um dia assumir o trono; medo da responsabilidade que teria. Sua mãe, a rainha, se preocupava com essa situação mas achava que em alguma hora sua filha iria assumir o trono. Seu pai, o rei, partiu em uma jornada um dia e nunca mais voltou...

Mas a princesa também era bela. E tinha seus pretendentes. E ela adorava ser cortejada, mas jamais decidia qual príncipe seria seu escolhido. Afinal, pra que se decidir, se todos a bajulavam? Pra que parar de receber presentes e atenção de todos eles? Mas acabava que em algum momento os príncipes se cansavam dos seus joguinhos, de sua indecisão, e partiam. A princesa até se preocupava, mesmo quando o número de pretendentes diminuía, mas sabia que ainda era jovem e haveria outros candidatos. 

O mais curioso de tudo é que a princesa tinha um sonho, um grande sonho na vida: deixar aquele reino para trás, partir, conhecer o mundo. Só que o sonho continuava preso na terra dos sonhos, enquanto a princesa permanecia  segura no conforto de seu tedioso reino. Passava os dias ouvindo músicas, apreciando pinturas e vendo o sol lentamente se por.

Até que um dia surgiu um estranho cavaleiro na porta de seu castelo: Cavalo e cavaleiro fedendo, suas roupas sujas e rasgadas, armado e com a cara cansada. Bateu no portão e mandou que chamassem a princesa. Ela, reticente mas curiosa, resolveu jogar com aquele estranho e sujo pretendente. O deixou esperando do lado de fora do castelo. 

Sem receber resposta, o cavaleiro resolveu acampar no pé dos muros do castelo. A cada dia, ele dava voltas pelos muros, observando os guardas do castelo, os transeuntes que iam e vinham pelos portões e a princesa, que de vez em quando vinha rapidamente observar aquele candidato ao romance. Ele ficava quieto a maior parte do tempo. De vez em quando ia ao portão mandar que chamassem a princesa.  

Ela continuava não respondendo. Mas a curiosidade, crescente, apertava. Quem era aquele homem? E por que teria chegado daquela maneira ao seu castelo? Não havia motivos, desculpas para aquela situação dele? E por que ele mandava que ela viesse a sua presença nos portões? Outros principes traziam presentes e se anunciavam no saguão real. Por que ele dispensava, e demandava, tratamento diferenciado?

E a cada dia ela se pendurava mais nos muros. Ia vendo o que ele fazia. Percebeu então que muitas das vezes ele a ignorava, prestando atenção em detalhes nos muros, nos guardas, nas pessoas, nos celeiros... estava medindo a riqueza dela? E por que não media a beleza dela? Por que não olhava para ela?!!

Então a princesa passou a se insinuar para ele. Se arrumava mais, gastou uma renda extra com novos vestidos, dava bailes próximo ao portão, chegou até a dar uma festa nos muros uma noite, descendo por uma corda quitutes para o sujo cavaleiro. Ele provou alguns, cuspiu-os e acabou recusando tudo o que desciam pra ele.

Ela se enfureceu. Perdeu o controle sobre os joguinhos que fazia com os pretendentes que haviam sobrado. Acabou dispensando todos. O cavaleiro sujo ocupava sua mente, e com a raiva, também seu coração. Sonhava com ele de noite: às vezes bons sonhos, outras vezes pesadelos. Num surto descontrolado, uma manhã, ela abriu os portões e atendeu finalmente o chamado diário do cavaleiro maltrapilho.

A princesa em fúria desejou saber quem era e o que queria aquele homem que acampou meses no seu muro desejando falar com ela. Ele calmo, pediu que ela o deixasse entrar e lhe desse de comer. No limite da raiva e da curiosidade, a princesa pensou seriamente em mandar que enfiassem aquele homem no calabouço. Mas acabou almoçando com ele no salão real.

Durante a refeição ele nada dizia. Comia toda a comida mais simples que lhe davam. Bebia água e bebidas fortes. Evitou a maioria dos doces. Pediu licensa por um instante à princesa, retornando uma hora depois. Parecia ter lutado com alguém, mas ela achou que era só impressão. Fitava-o com raiva, interesse e uma sensação estranha que deixava seus olhos brilhando.

Eis que o cavaleiro se revela. Não era o príncipe encantado que a princesa tanto sonhara. Ele disse ser chefe de um povo bárbaro que vagava pelas vizinhanças. Veio tomar seu castelo, destruir seu reino, cativa-la - literalmente.

A princesa teria jurado que era a maior e mais boba brincadeira que alguém já fizera com ela. Infelizmente a horda que entrou chutando o portão do saguão indicou a realidade a ela. Levada para fora pelo cavaleiro/chefe bárbaro, ela viu seu reino sendo dominado facilmente por aquele povo bruto. Não houve resistência. Ninguém esperava aqueles invasores.

Tudo foi levado para fora do castelo: pessoas, animais, comida armazenada. A princesa, mantida junto ao seu chefe captor, observava enquanto o castelo era esvaziado de tudo o que fosse necessário, e apenas uma ou outra coisa mais valiosa. Ao fim, ela viu o chefe acender uma tocha e aos poucos iniciar com ela pequenos incêndios. Em pouco tempo todo o seu castelo pegava fogo.

Seu povo chorava, desesperado. As casas, o castelo, todo o reino em chamas. Ela no inicio não sabia como reagir. Caiu de joelhos observando o fogo arder. Quando uma lagrima ensaiou sair de seus olhos, ela sentiu o vento bater do lado contrário e se virou. E percebeu o vasto mundo ao redor dela. Sentia como se aquele vento a estivesse libertando, chamando para realizar seu sonho.

A princesa já não sabia o que pensar, o que fazer. Agora, ao lado daquele que a capturou completamente, ela chorava. E ria. Estava desesperada. Estava aliviada. Estava confusa. Mas estava certa de uma coisa: a realidade agora era inevitável. O chefe bárbaro a encarava, sério. Ela quis saber o que ele ia querer dela agora. O que a princesa ouviu? "Uma rainha".


J2ML