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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O dia em que vi F. :





Era um dia anormal. Não estava em minha cidade, não estava a passeio. Estava matando as horas não fazendo nada, rodando na maior cidade do país apenas porque não queria viajar antes das 22 horas. Eram somente 17 horas. E aproveitava isso em uma grande e famosa livraria dessa cidade: folheava livros, ouvia músicas, observava as pessoas, tirava um cochilo. As opções para mim naquela cidade haviam se exaurido na hora anterior, e eu lutava contra uma febre.

Vi então um burburinho se formando na livraria. Era a chegada de algum autor famoso que vinha autografar um livro recente. Acontecia muito isso naquela livraria. Metade dos clientes se levantou e se dirigiu ao andar de cima. A outra metade ficou alheia a sua presença. Uns fingiram ignorar a existência dele... Já eu precisava matar o tempo, e resolvi ver quem era. 

Os clientes que subiam atrás do autor iam pela ladeira principal, e logo a congestionaram. Eu, já andarilho daquela livraria, busquei a escada de acesso do canto e me vi, surpreso, com o caminho livre para a entrada principal. Havia uma quantidade inesperada de fotógrafos, o que me fez indagar quem era o autor. Não era a primeira vez que assistia um acontecimento desses, mas não lembrava de ter visto tantos assim pra outros autores.

Como vi que o acesso à entrada principal estava vazio, me adiantei e tomei o lugar na grade da escada, no sentido inverso a quem passava, e me senti como se num camarote privilegiado para receber a celebridade. Lamento até agora o fato de não ter pensado em tirar uma foto, embora na hora minha preocupação fosse poupar a bateria do celular. Me ajeitei então sozinho naquele espaço à espera do famoso autor.

A multidão de seguranças e fotógrafos cercando o autor me assustava enquanto minha curiosidade sobre sua identidade aumentava. Foi então que ele apareceu: de cabelos brancos, alto, com o famoso óculos que eu sempre lembrava de ver ele usando na TV (e ele aparece muitas vezes nela), velho - embora não parecesse tanto ter a idade que eu sei que ele tem, sorridente. Era F. - o ex-presidente.

Não esperava que fosse ele, e me peguei sem reação. Não defendo suas opiniões políticas nem sou favorável a seu partido - pelo contrario, sou ferrenho inimigo de ambos - mas o momento ali pedia um mínimo de solenidade. Portanto passou longe da minha cabeça fazer qualquer algazarra ou mesmo um mínimo comentário contra sua pessoa. Na verdade, por meros segundos, fui tentado a ir até ele e tentar apertar sua mão. Missão impossível de se realizar com aquela multidão de guarda costas e fotografos, a não ser que eu comprasse um livro dele para autografar... a solenidade não pedia tanto. Preferi me manter na minha posição confortável, à distância.

E logo perdi o interesse na pessoa dele. É o efeito ex-alguma coisa: se é ex, perde parte (às vezes toda) da importância e notoriedade que antes possuía. Normal. E como eu não era um de seus admiradores, mais normal ainda. Minha mente então começava a divagar e buscar alguma outra coisa para fazer  e matar tempo fora dali, quando um momento muito curto, inusitado,ocorreu: F. se virou e e olhou na minha direção. Cruzou o olhar dele com o meu.

Qual minha reação? Continuei divagando enquanto olhava seus olhos claros fitando os meus. Ainda lembro que por um segundo ou dois ele me olhou. E eu, impávido. Quieto. Parado. Nem pisquei. Ele então se virou e foi dar atenção aos fotografos e reporteres que ali estavam. Estes, ignoraram a cena ocorrida entre mim e ele. E até aquele momento, eu também ignorava.

Minutos depois, estranhava o fato. Não sei o que se passou na cabeça dele ao me encarar, mas não saía da minha cabeça a idéia de que talvez, naquela noite, ele possa ter chegado em casa e de repente lembrado do rapaz estranho que o encarava do alto da escada. Juro que minha divagação parava por aí. Já era estranho demais pensar nisso. Curioso era o fato de que, apesar de todos os repórteres e seguranças, eu e F. agimos como seres humanos absolutamente normais, se encarando e reconhecendo um ao outro como nada além de pessoas que estava passando por ali. Eu não era nada de mais. Ele já não tinha nada de mais. 

Passado esse breve momento, me retirei da livraria e fui em direção à rua. Lá, vários transeuntes, alheios à minha existência, à existência de F., alheios à vida dos outros a seu redor... algo padrão em qualquer centro de cidade grande. Triste e solitário, mas que naquele momento me fez um certo bem de sentir...


J2ML  












Anestesia:



Pronto.

Passou diante dos meus olhos e foi como se a seringa tivesse sido instantaneamente injetada na minha medula. Não tive reação alguma. Não senti o impacto, o corte. Sei que algo assim ocorreu, mas não o senti. Não chorei, não gritei...

Sedado.

Nada sinto. Devaneio. Viajo. Meu corpo, minha mente, meus sentidos, deixaram de lado qualquer tentativa de sentir, de agir, de impedir ou repelir a dor ou aquilo que a causa. Agora a unica sensação é a de um longo sonho... 

Estupor.

A ferida está ali. Eu bem sei. E é grave: Pode ser necessário arrancar, pode se curar, pode me matar... O estado de dormência, no entanto, ainda me permite ignorá-la. Ele lentamente irá se desfazer; isso eu também sei... e a dor virá. Forte, profunda... 

Mas agora, só quero me iludir um pouco mais com essa dormência...


J2ML 


Escrito em: 16/09/2015






domingo, 20 de setembro de 2015

A Cidade e a Solidão:




Eu odiava São Paulo.

Achava uma cidade fria, cinza, lotada e parada devido a seus engarrafamentos de distâncias quebradoras de recordes. Suja por seus moradores em seus muitos carros, seu metrô desconexo, cheio de ramais e conexões sem linhas retas ou circulares, como se houvessem veias em uma ameba. Sua população workahólica que tinha o rei na barriga, que achava que bancava o resto do país - como se não o sugasse ao mesmo tempo - e que deveria ser o condutor politico da nação: Non ducor, duco.

Aí visitei São Paulo pela primeira vez...

E minha visão sobre a cidade mudou. Foi a primeira vez em uma metrópole. Uma de verdade (Rio de Janeiro tem uma geografia que reduz essa sensação de espaço urbano tomado). O mar de prédios, que antes me assustava, me fascinou. O cinza foi substituído pela cor dos prédios, o verde das arvores - extremamente necessárias e em boa quantidade - e as imagens dos grafites em muitas de suas paredes. Suja era, mas bem menos do que eu achava. O metrô, esse sim era um metrô de verdade. Essencial para meus passeios. Ia em muitos lugares, e dava até gosto de me perder nele (o metrô de Sampa merece um text só pra ele. Ainda vou fazer isso). A população... bem, ainda era workaholica, em sua maioria. E ainda tinha parte daquelas crenças que citei no inicio, mas parecia mais aberta e simpática: as pessoas pelo menos se encaram... E é uma população vasta. Vários tipos, grupos, bandos, culturas. Dá pra apreciar a diversidade. Claro, sabendo onde se pisa, com quem se fala, ou não fala, etc.




São Paulo me cativou.





Não. Morar lá, jamais. Prefiro assim: apreciação à distância, em doses homeopáticas, algumas vezes por ano. E é assim que vou descobrindo, redescobrindo e apreciando a maior cidade do Brasil. A cada visita, uma novidade: A Paulista, artéria econômica e cultural (ou assim parece), viva de pessoas quase o dia todo, indo e vindo para tudo que é lado, em todo tipo de afazeres: estudantes, trabalhadores, modelos, empresários, artistas famosos, artistas de rua, mendigos, socialites, turistas. Em seguida a Augusta, rua dos prazeres, desde o permitido e necessário happy hour até os proibidos e moralmente duvidosos conforme se desce a rua. A Sé, parte do centro histórico que se estende até um pouco além do viaduto do chá. A Luz, com sua estação de trem memorial, hoje Museu da Língua Portuguesa - em que tive o prazer de levar meu pai, professor de português.

A cada visita uma nova sensação: no shopping na Faria Lima, onde entrei e pela primeira vez tive a sensação - horrível - de estar sendo medido de cima a baixo pelas pessoas: não era meu lugar e por isso era ainda mais legal estar ali. A feira de antiguidades embaixo do Masp (ou caixa de fósforo gigante, como chama um amigo meu), naquele imenso vão com uma vista boa para a cidade. O Trianom de manhã cedo, com as pessoas fazendo Cooper na área verde compactada em meio a prédios altos. Os casarões de São Paulo, de décadas passadas, ainda de pé, resistindo ao progresso.
O bairro japonês da Liberdade - ah, como adoro - onde sempre paro para almoçar alguma comida oriental. A USP, um tanto quanto isolada no meio da cidade. Congonhas, um aeroporto que assusta pela proximidade entre a pista de voo e a avenida...





E o povo... é muita gente pra definir. Tem de tudo. Tudo mesmo (especialmente se você frequenta a Augusta). Mas o que me intrigava era ter ouvido uma vez que o Paulistano é solitário. Em meio de 8 milhões (ou mais) de habitantes, dá pra se ser solitário? Se sentir sozinho? Como sempre estou de passagem, me é impossível responder. Mas vendo os habitantes da grande metrópole passando por mim imagino que eles tem uma necessidade em socializar. Posso estar errado. Imaginei isso no momento em que andava pela Augusta e via diversas pessoas interagindo no happy hour. É a luta contra a solidão? E se for, qual a diferença entre essas pessoas e as que habitam outras grandes cidades no Brasil? No mundo? Não estamos todos fugindo da solidão?

Talvez a imensidão da cidade de São Paulo aumente essa luta contra a solidão. Pode ser que dê a sensação de que estamos perdendo, sendo engolidos pelos arranha céus ou desaparecendo em túneis escuros de metrô. Toda essa conjectura é individual: cada um vive e suporta sua própria solidão. Me lembrei que, horas antes, via um artista de rua se manifestando através de um longo e desconexo texto escrito a giz no chão da Paulista. Era um desabafo sobre como a vida dele estava ruim e ninguém se importava. Prova disso é que o texto, que ocupava grande parte da calçada, era pisado por quase todos os transeuntes, que mal se ocupavam de baixar a cabeça e ler meia frase pra saber do que se tratava... Em contraste a essa cena, próximo dali, vários estudantes se reuniam na escadaria da Faculdade Casper Líbero, se divertindo enquanto aguardavam as aulas, ignorando a cidade. Ainda mais contrastante era ver, em muitas estações de metrô, casais namorando no fim das plataformas (adoro isso). 

Enquanto eu subia a rua Augusta e rememorava todas essas cenas ocorridas naquele dia, me peguei sentindo algo que não sentia já fazia um bom tempo. Tanto tempo que, quando a sensação surgiu, não entendi o que era... era um vazio, a impressão de que algo ali me faltava, de que precisava preencher um espaço. Era a solidão. Uma solidão que não lembrava ter sentido nos últimos 8, 9 anos. Não falo de uma companheira, mas sim de companhia. Alguém para estar ali e apreciar, quieto, comigo, naquela imensidão de pedra, andar por aquelas ruas, se perder naqueles túneis do metrô... É essa a solidão que se passa na grande cidade?

A sensação crescia e me tomava enquanto eu chegava ao fim da rua. Mas ao dobrar a esquina na Paulista, uma lufada de vento me bateu na face e levou a sensação embora. Eram ventos indicando a partida. Talvez eu já estivesse em São Paulo por tempo demais... 

Era hora de ir para casa.


J2ML





quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Jóia. Ou: A perfeição.



Sempre que ouço dizerem que fulana ou ciclana é perfeita, qualquer garota, você me volta à cabeça. E com justiça. Não vi menina mais perfeita ainda nessa terra. Não verei, não nesse sentido de perfeição...

Você era sim, perfeita. Desde a aparência física ao caráter. Se algum rapaz se prendia - e quantos admiradores você tinha, eu incluso - aos seus encantos visuais, era com razão. Metricamente desenhada, nas medidas exatas dos pés à cabeça. Um rosto angelical e calmo, espalhava tranquilidade, com olhos castanhos e cabelos cacheados que convidavam a enrola-los entre os dedos. Esportista, nada acomodada, praticante de esportes, fã de futebol (sem fanatismo), embora sempre aparentasse estar quieta no seu canto. 

Essa timidez era uma aparência enganadora: você era tranquila no falar, não evitando ninguém, tendo sempre algo pronto, fosse para rir, ajudar ou ensinar. Tinha, sim, uma incapacidade em decorar nomes - que eu infelizmente senti na pele - mas com a quantidade de admiradores que vinha tentar contato, como se lembrar? E era estudiosa. Sonhava com uma profissão que pudesse servir a outros: enfermagem, serviço social, medicina... pouco importava. Você queria fazer o bem.

Com isso você levava os admiradores à loucura, numa 'ola' de suspiros que fazia varrer o mal do mundo... doce ilusão. Era realmente bom o seu caráter, a sua vontade de se doar, cultivada em seu coração e mente desde cedo. A princípio sempre achávamos balela, mas a constância das suas declarações removia as dúvidas. 

Roqueira declarada, aparentemente para reduzir a fama de santinha, que servia na verdade para aumentar ainda mais o charme dela. Tocava piano, violão e... bateria. E cantava, com uma doce voz inesquecível. Era fã de bichinhos. Sempre estava ajudando alguém. Nunca estava exageradamente arrumada; às vezes, poucas, um pouco largada. Mas ainda com certo charme e jeito meigo.

Você era a perfeição no auge da adolescência. Era exatamente o que seu nome dizia: Jóia. Tão perfeita que parecia inatingível. E assim o foi. Ninguém alcançou seu lindo coração. E se alcançou, você não nos fez saber. Talvez por pena de magoar a nós, admiradores. E era uma perfeição tão grande, tão próxima da expectativa, que me fez me manter pelo tempo que te admirei a uma certa distância.

Até que um dia toda aquela admiração por você se manteve nisso: admiração. Em dado momento me desencantei com sua perfeição. Afinal, sendo tão perfeita como você era - e creio que ainda seja - eu de súbito não vi mais graça em te querer. No fim das contas, a imperfeição desperta mais interesse, mais paixão, mais graça, que toda aquela sua pureza.

Mesmo assim, não consegui desassociar perfeição à sua lembrança, que é hoje o que me resta. E aprendi a rejeitar a perfeição instintivamente, como se fosse uma aberração. A vida não é perfeita. Nunca será. E ter ao lado uma perfeição como você seria, no fim, uma grande - talvez a maior - maldição.


J2ML

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Seu lugar:

Não importa quantas vezes aconteça, e nem quem seja. Sempre volta a você. É sempre você. Sempre sua causa, sua culpa. E não interessa quem machuque ou como machuque... a dor me lembra de você. Em algum momento a ferida ganha sua feição... É como uma maldição: "Você vai me levar pra sempre na sua vida" - eu te ouço tacando, como se fosse agora, na minha cara. 

Mas já faz muito tempo... muito tempo mesmo. E eu me espanto em ver como algo de você ainda resta. E mais ainda: me espanto em sentir que quero que continue restando. É minha maldição. É minha salvação. É luz e trevas... você sempre foi o eco na minha força. O buraco negro que sugou  e neutralizou tudo que eu quis te oferecer - Amor, raiva, ódio, carinho, paixão, emoção, razão. 

Não importa os cortes, as feridas, as cicatrizes que me fazem... Você me desmembrou de tal maneira que me anestesiou pro que viesse. E tão desmontado fiquei que tive que me refazer, remontar, me recriar. Dali saiu um outro homem, um outro ser, que por certo tempo não gostava de ser eu mas que foi se adaptando. E se novamente me corto, a sua lembrança é tão mais funda - nos ossos - que aos poucos dissipa a dor... Você me tornou mais forte. Me fez quase insensível... só aí falhou. Falhou porque naquele dia chovia e aquelas gotas me lavavam enquanto você me marcava. Turvaram, dissolveram parte do seu veneno. Amei ainda mais dias de chuva por causa daquele dia...

E te quis o pior por muito tempo. E só a você desejei isso, a ninguém mais. O perdão, entretanto, também veio com o tempo. Veio quando vi, de longe, que sofremos as mesmas mazelas, as mesmas frustrações na vida. Aí senti que éramos enfim parceiros. E foi o último contato, mesmo estando nós tão perto um do outro ainda hoje. E vai continuar assim: nossa natureza nos leva à destruição mútua. Sabemos disso. Mantemos a distância segura.

Ainda assim, depois de tantos anos, é sempre você que volta. O buraco negro que agora suga a dor de outras feridas. É a garantia de que nada, ninguém, toma o seu lugar. E eu amo e odeio. xingo e agradeço, por um instante, você. Sempre. 


J2ML


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Um snack da eternidade:



É só um bichano...
E os dois jovens lado a lado entretidos com ele.
Uma simples gata cinza, de olhos amarelos.
Numa manhã de sábado calma, nublada, fresca...

O campo, o mato, o morro.
E os dois jovens relaxando com a vista que se estendia.
O sol, de leve, esquenta o solo.
A fumaça fina se levantando,
acalmando corações.

A noite. A lua cheia, grande, bela.
E o frio sendo afastado por uma grande fogueira,
relutante em queimar...
E os dois jovens se esquentando um ao outro.
Olhares perdidos nas chamas do tempo,
tempo que parece parar...

Seja Deus, seja Jah...
Quem for... Fez o tempo parar.
Por um instante...
Foi um instante.

Para aqueles dois jovens,
Um snack da eternidade.
Uma amostra miúda do porvir...


J2ML

Soundtrack:

[Advice for the young at heart - Tears for Fears]

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Um snack da eternidade - parte 2:

O tempo parou.
Parou por um instante,
para o jovem casal.
Mas o instante é efêmero,
e a felicidade, passageira.

Ah, quem me dera
se já fosse a eternidade...
Ainda não.
Dias negros,
esses virão.

Mas dentro de cada tempestade,
Após cada noite em claro,
após toda treva,
(e se o caminho estiver certo)
Há um instante de luz.

Eterno?
Será. Um dia.
Mas agora, somos suspiro...
E o instante, jovem casal,
efêmero...

...até que a esperança,
um dia, retorne.

J2ML