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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Umbigo (Série Temas - 2 textos em 1):



Os dois textos a seguir foram parte de uma tentativa minha e do Nino em trabalhar temas iguais.
Pretendemos ter uma série sobre isso, mas como muito do que pensamos é perdido nos problemas do dia a dia, não podemos prometer nada...

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- Tô pensando em por um piercing no meu umbigo...

Com esse comentário, mais parecido com um pensamento que escapou da mente e ganhou asas nada angelicais, que a garota tirou o foco do rapaz nos programas esportivos de uma manhã de domingo. Ele, que até então mal havia notado a presença feminina na sala, se voltou para ela, olhando primeiro seu rosto e depois descendo a vista para onde suas mãos e seu comentário indicavam: um pequeno buraco no meio da barriga dela.

Até aquele momento, ele pouco reparara naquela reentrância do corpo de sua parceira. Uma vez ou outra ele passou sua vista por ali, e agora lembrava que em algum momento o havia achado bonito, não por ser o umbigo em si, mas sim pelo conjunto da obra, o corpo dela. Naquele momento, no entanto, ele prestava atenção apenas no umbigo.   

Eis a cena que ele via: sua garota em pé, de frente para ele e uns metros de distancia. Sua postura, encostada na mesa da sala, ainda com a roupa que havia usado para dormir, erguendo parte da camisa até pouco acima do umbigo com uma mão e usando alguns dedos da outra para apertar sua barriga e colocar o umbigo em evidencia. Compenetrada na observação de seu próprio umbigo, ela nem deve ter percebido que havia pensado alto. Logo depois disso ela largou sua camisa e voltou aos seus afazeres, ignorando o rosto pensativo do rapaz e deixando a sala.

Ele no entanto ficou preso àquela imagem do umbigo dela. Como nunca havia reparado naquele detalhe antes? Começou então a lembrar de vezes em que ela, sem querer ou de propósito, havia lhe mostrado esse pequeno buraco. Inacreditavelmente, lembrou da primeira vez em que viu aquele pequeno detalhe corporal. 

Foi durante um passeio que fizeram logo depois que se conheceram, e em certo momento, ao ajeitar a blusa devido ao calor, a garota dera uma rápida sacudida com a camisa. Naquele momento ele teve um vislumbre daquele umbigo, coisa de meio segundo, mas que ele conseguiu detalhadamente trazer de sua memória. Lembrava agora da cintura dela, a barriga lisa entre um short jeans e uma camisa escura e no meio, coroando a cena, o umbigo. Aquele foi o primeiro momento em que a desejou. Mas com o tempo e a sorte, ele conseguiu não só o umbigo dela como todo o restante. Assim, ele foi se esquecendo do umbigo.  

O destino então trouxe a ele essa oportunidade de lembrar do umbigo dela. Lembrar que antes de tudo, de todo o resto do corpo dela, o umbigo despertou o desejo de ter aquela garota ali, ao lado dele. Agora porém, havia uma preocupação. Um piercing no umbigo? Mas pra quê? Pra chamar a atenção dele? Será que ela inconscientemente percebeu que seu umbigo havia perdido o poder de atração sobre ele e resolveu apelar? Ou era um modo de castigar ele por parar sua devoção ao umbigo dela?

Assustado, ele se levantou do sofá em busca do umbigo desejado e de sua redenção. Ao encontra-la na cozinha, em pé enquanto separava a correspondência ele se pôs de joelhos em frente a ela. Assustada, a mulher não teve reação além de arregalar os olhos e observar aquela estranha ação dele. Segurando-a, ele levantou sua camisa à procura do venerável umbigo. Enfim o encontrando, passou a analisar cada milimetro daquele buraco. Conforme ele aproximava o rosto da barriga da mulher, ela foi entendendo o que ele estava fazendo.

Foi um minuto de analise minuciosa, fria, associado ao desejo crescente ressuscitado pela visão do umbigo precioso que estava agora correndo risco de ser modificado. Ele percebeu que amava aquele umbigo, amava a ponto de ter ciúmes sobre ele. De não querer compartilha-lo com adereço algum. Concluindo a analise, ele encostou o rosto na barriga dela e cheirou, beijou o umbigo. Ela sentiu cócegas, deu uma risada leve e afastou o rosto daquele estranho adorador de seu ventre. 

Vendo que seu querido umbigo se distanciava, a camisa dela descendo na bariga como cortina encerrando uma peça teatral, o rapaz olhou para os olhos da sua garota e pediu:

-Por favor, piercing não...


                                                                                                                             Nino Srat

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Eu estava devendo faz tempo um texto a respeito do umbigo. Sim, do umbigo. É esse buraco que fica no meio da barriga de todo ser humano (talvez só Adão e Eva não o tivessem...), resultado e indicador de que já fomos ligados a outra pessoa, nossa genitora. É um traço do corpo que independe de gênero, unissex mas que mesmo assim tem suas diferenças devido à cultura.

O umbigo me fascina. Não é bem sua aparência, embora esse buraco raso do corpo humano tenha, na maioria das vezes, uma forma estética que me atraia: Seja ele uma reentrância redonda, triangular ou em formato de losango; seja um umbigo raso, profundo, pra dentro ou pra fora; liso ou com aquela pelugem que desce em linha... qualquer combinação de umbigo me atrai.

O que me fascina mesmo é descobrir o umbigo. Deixe-me explicar: mesmo morando em uma cidade litorânea, subtropical, quente quase todo o ano, em que é muito comum reduzir a quantidade de roupa cobrindo o corpo e portanto fácil de se ver umbigos de fora, prefiro quando ele não está à mostra. Claro, há outras partes do corpo que ficam escondidas, íntimas, a maior parte do tempo. Mas essas partes são moralmente vetadas ao mesmo tempo que são o desejo de todos. Já o umbigo, depende da ocasião e da pessoa escolher se mostra o umbigo ou não, e não é um dos primeiros itens da lista de desejo de pessoas normais.

Quando vou à praia, por exemplo, não vejo graça em ver umbigos, pois já estão todos descobertos, à mostra. Que graça tem em ver aquilo que já está exposto? Ou quando está calor e as mulheres usam top, ou saem com o umbigo de fora pra deliberadamente chamar atenção. Pra provocar é melhor esconder do que mostrar.

Gosto quando tenho a visão do umbigo sem querer. Quando a menina ergue os braços, se espreguiça, e a blusa é curta. Quando elas dançam e dançam. Quando elas sacodem a camisa pra entrar o ar e reduzir o calor do corpo, ou quando elas chegam de lugar frio e tiram o casaco, levantando a camisa junto... Existem várias situações em que o umbigo pode, sem querer, ficar à vista. E atiça a minha curiosidade.

No entanto, a moda do piercing no umbigo me veio como um balde de água fria. Não consigo ver graça ou sentido em colocar jóias, brilhantes, correntinhas (sim, já vi uma) no umbigo. Por que chamar a atenção de uma parte do corpo que já despertaria interesse por si só se permanecesse escondida? Será que também pra intimidar concorrentes, adversárias, na briga por mais atenção do sexo oposto (ou do mesmo sexo)?

Tanto faz. O que é certo é que meu fascínio pelo umbigo diminui quando percebo que ele foi 'decorado'. Pra mim é quase uma profanação dessa parte do corpo. Transformam essa adorável peculiaridade do corpo em alegoria de carnaval das mais estranhas, como um cara bem acima do peso vestido de odalisca no bloco das piranhas.

Claro, sejamos democráticos. Esse é meu gosto, meu desejo, minha tara. Não é o de todos, nem quero que o meu interesse se torne a norma. Viva a pluralidade, seja ela politica, cultural ou umbilical. Meu gosto é mais simples, ao natural, em se tratando de umbigos. Se você leitor prefere um pouco mais de adereços, ok. Mas saibamos apreciar mais essa parte tão normal e também tão única que é o umbigo.


J2ML