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quarta-feira, 1 de abril de 2015

A Princesa e o Bárbaro (2):


Havia, em uma terra fantástica e distante, uma princesa não tão fantástica de um pequeníssimo reino, igualmente não tão fantástico. Era um lugar bonito, mas parado, e a princesa achava seu reino um lugar muito chato. E não suportava ficar mais um dia nele...

Mas ficava. Um dia. Dois. Semana. E por aí ia ficando. Sair, ela até saía, mas logo voltava. Voltava porque no reino ela se sentia confortável, segura. E tinha medo de um dia assumir o trono; medo da responsabilidade que teria. Sua mãe, a rainha, se preocupava com essa situação mas achava que em alguma hora sua filha iria assumir o trono. Seu pai, o rei, partiu em uma jornada um dia e nunca mais voltou...

Mas a princesa também era bela. E tinha seus pretendentes. E ela adorava ser cortejada, mas jamais decidia qual príncipe seria seu escolhido. Afinal, pra que se decidir, se todos a bajulavam? Pra que parar de receber presentes e atenção de todos eles? Mas acabava que em algum momento os príncipes se cansavam dos seus joguinhos, de sua indecisão, e partiam. A princesa até se preocupava, mesmo quando o número de pretendentes diminuía, mas sabia que ainda era jovem e haveria outros candidatos. 

O mais curioso de tudo é que a princesa tinha um sonho, um grande sonho na vida: deixar aquele reino para trás, partir, conhecer o mundo. Só que o sonho continuava preso na terra dos sonhos, enquanto a princesa permanecia  segura no conforto de seu tedioso reino. Passava os dias ouvindo músicas, apreciando pinturas e vendo o sol lentamente se por.

Até que um dia surgiu um estranho cavaleiro na porta de seu castelo: Cavalo e cavaleiro fedendo, suas roupas sujas e rasgadas, armado e com a cara cansada. Bateu no portão e mandou que chamassem a princesa. Ela, reticente mas curiosa, resolveu jogar com aquele estranho e sujo pretendente. O deixou esperando do lado de fora do castelo. 

Sem receber resposta, o cavaleiro resolveu acampar no pé dos muros do castelo. A cada dia, ele dava voltas pelos muros, observando os guardas do castelo, os transeuntes que iam e vinham pelos portões e a princesa, que de vez em quando vinha rapidamente observar aquele candidato ao romance. Ele ficava quieto a maior parte do tempo. De vez em quando ia ao portão mandar que chamassem a princesa.  

Ela continuava não respondendo. Mas a curiosidade, crescente, apertava. Quem era aquele homem? E por que teria chegado daquela maneira ao seu castelo? Não havia motivos, desculpas para aquela situação dele? E por que ele mandava que ela viesse a sua presença nos portões? Outros principes traziam presentes e se anunciavam no saguão real. Por que ele dispensava, e demandava, tratamento diferenciado?

E a cada dia ela se pendurava mais nos muros. Ia vendo o que ele fazia. Percebeu então que muitas das vezes ele a ignorava, prestando atenção em detalhes nos muros, nos guardas, nas pessoas, nos celeiros... estava medindo a riqueza dela? E por que não media a beleza dela? Por que não olhava para ela?!!

Então a princesa passou a se insinuar para ele. Se arrumava mais, gastou uma renda extra com novos vestidos, dava bailes próximo ao portão, chegou até a dar uma festa nos muros uma noite, descendo por uma corda quitutes para o sujo cavaleiro. Ele provou alguns, cuspiu-os e acabou recusando tudo o que desciam pra ele.

Ela se enfureceu. Perdeu o controle sobre os joguinhos que fazia com os pretendentes que haviam sobrado. Acabou dispensando todos. O cavaleiro sujo ocupava sua mente, e com a raiva, também seu coração. Sonhava com ele de noite: às vezes bons sonhos, outras vezes pesadelos. Num surto descontrolado, uma manhã, ela abriu os portões e atendeu finalmente o chamado diário do cavaleiro maltrapilho.

A princesa em fúria desejou saber quem era e o que queria aquele homem que acampou meses no seu muro desejando falar com ela. Ele calmo, pediu que ela o deixasse entrar e lhe desse de comer. No limite da raiva e da curiosidade, a princesa pensou seriamente em mandar que enfiassem aquele homem no calabouço. Mas acabou almoçando com ele no salão real.

Durante a refeição ele nada dizia. Comia toda a comida mais simples que lhe davam. Bebia água e bebidas fortes. Evitou a maioria dos doces. Pediu licensa por um instante à princesa, retornando uma hora depois. Parecia ter lutado com alguém, mas ela achou que era só impressão. Fitava-o com raiva, interesse e uma sensação estranha que deixava seus olhos brilhando.

Eis que o cavaleiro se revela. Não era o príncipe encantado que a princesa tanto sonhara. Ele disse ser chefe de um povo bárbaro que vagava pelas vizinhanças. Veio tomar seu castelo, destruir seu reino, cativa-la - literalmente.

A princesa teria jurado que era a maior e mais boba brincadeira que alguém já fizera com ela. Infelizmente a horda que entrou chutando o portão do saguão indicou a realidade a ela. Levada para fora pelo cavaleiro/chefe bárbaro, ela viu seu reino sendo dominado facilmente por aquele povo bruto. Não houve resistência. Ninguém esperava aqueles invasores.

Tudo foi levado para fora do castelo: pessoas, animais, comida armazenada. A princesa, mantida junto ao seu chefe captor, observava enquanto o castelo era esvaziado de tudo o que fosse necessário, e apenas uma ou outra coisa mais valiosa. Ao fim, ela viu o chefe acender uma tocha e aos poucos iniciar com ela pequenos incêndios. Em pouco tempo todo o seu castelo pegava fogo.

Seu povo chorava, desesperado. As casas, o castelo, todo o reino em chamas. Ela no inicio não sabia como reagir. Caiu de joelhos observando o fogo arder. Quando uma lagrima ensaiou sair de seus olhos, ela sentiu o vento bater do lado contrário e se virou. E percebeu o vasto mundo ao redor dela. Sentia como se aquele vento a estivesse libertando, chamando para realizar seu sonho.

A princesa já não sabia o que pensar, o que fazer. Agora, ao lado daquele que a capturou completamente, ela chorava. E ria. Estava desesperada. Estava aliviada. Estava confusa. Mas estava certa de uma coisa: a realidade agora era inevitável. O chefe bárbaro a encarava, sério. Ela quis saber o que ele ia querer dela agora. O que a princesa ouviu? "Uma rainha".


J2ML


 

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