-Eu vou votar em Fulano.
Ela disse isso quando ainda estava em meus braços, na cama. Era um daqueles papos pós-transa que não precisam de sentido. São apenas para quebrar o nosso silencio posterior ao fim do ato. Normalmente o tema dessas nossas conversas é sobre alguma coisa - qualquer coisa - que tenha uma daquelas afinidades que nos aproximaram no inicio do relacionamento: time de futebol, bandas de musica, blocos de carnaval... Ou então sobre alguma coisa totalmente sem sentido, mas que faça com que cheguemos juntos a uma conclusão comum, como o que deve ser feito com a rachadura no teto do nosso quarto, se deviamos ou não trocar a ração do cachorro por uma mais barata, sobre como a vizinha velhinha do andar de baixo parou de reclamar do porteiro que já não trabalha no prédio faz mais de dois meses...
Enfim, era um papo corriqueiro do qual nenhum de nós precisava fazer alguma argumentação mais concreta, não seria necessario iniciar uma discussão nem forçar a cabeça atrás de ideias ou outra coisa qualquer para sustentar uma posição. Era isso até aquele momento.
Em epoca de eleição é dificil escapar de uma conversa sobre preferencia politica. Eu procuro evitar ao maximo. Até porque - por mais que se diga que isto é democracia, que é assim que se forma opinião e tal - não se chega a conclusão alguma. Eu vou votar em ciclano, o cara em beltrano e agora minha parceira em fulano. E ponto. A discussão só serve para mostrar o qunato discordamos entre nós.
É uma epoca perfeita para se irritar os outros: você os provoca dizendo que vai votar num qualquer, por motivos os mais idiotas possiveis, medindo a reação da pessoa e fazendo mais argumentos ridiculos para deixa-la ainda mais irritada, até o ponto em que ninguém mais se suporta e ou se separa ou muda de assunto com aquela irritação de quem perdeu tempo em algo inutil e só percebeu tarde demais.
Então eu volto à primeira cena: Ela vai votar em Fulano. Justo em Fulano! Fico pensando nos segundos que me restam - são muito poucos - para ficar em silencio sem dizer nada. Ela sabe que eu jamais votaria em Fulano. Sabe que seria totalmente contra meus principios politicos, minhas ideologias, meu simples modo de raciocinar a formação deste país e do mundo... Na verdade, ela só quer minha aprovação para a escolha do candidato dela.
E o tempo fica mais curto enquanto penso numa fuga para a minha situação em crescente desespero. Ela em breve vai se virar e me encarar, repetindo seu comentario a espera que eu retruque.
Perdido em minha mente e ainda com ela nos meus braços, eu tento encontrar nela uma resposta. E reparo naquele corpo junto ao meu, com traços tão diferentes, mas que momentos antes era parte de mim, e disputava com o meu corpo uma eleição de prazer, de amor. Um comentario no entanto anularia aquele processo democratico que havia sido nosso ato de amor.
Foi então que pude ver minha fuga na base do sistema da democracia: o respeito pela diferença de opinião entre as diversas parcelas de eleitores. E resolvi usar uma saída simples e facil - principalmente por entre nós não haver minoria nem maioria. Segurei ela com mais força, puxando-a mais para junto de mim, dei um beijo na testa dela e disse, com a voz mais doce e disfarçada que pude:
- Tudo bem, amor...
Ela respondeu meu abraço, fez silencio e dormiu um pouco depois. Eu levei mais um tempo, pensando nos prós e contras do processo democrático.
Viva a democracia!
Nino Srat
hahaha Muito bom o texto! Muito bom mesmo! Adorei!
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